Explicação é a população flutuante (que trabalha e estuda em outras cidades). No entanto, os números gritantes da discrepância são contestados

Considerando que todo cidadão com idade entre 18 e 70 anos é obrigado a votar e esse direito é facultativo para jovens com 16 e 17 anos ou idosos com mais de 70, é impossível que um município tenha mais votantes do que habitantes, certo? Errado. Pelo menos, é isso o que aponta um cruzamento de dados feito pela Agência Tatu entre números de eleitores apresentados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a projeção populacional mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na Bahia, de acordo com estes dados, 36 das 417 cidades têm mais eleitores do que moradores. Para o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), no entanto, as diferenças não sinalizam fraudes eleitorais. “Em regra, a população tem que ser maior que o eleitorado, mas essa não é uma lógica absoluta. Vários fatores podem influenciar em uma situação diferente da comum. […] Sobre fraude eleitoral, para esse ano de 2022 especificamente, ainda não temos”, explica Jaime Barreiros, analista judiciário do TRE-BA.

Discrepâncias

Apesar da ausência de fraudes até o momento, a Corregedoria Eleitoral vai avaliar situações pontuais em 2023. Maetinga, Ribeirão do Largo e Potiraguá, cidades com mais discrepâncias nos dados, são as favoritas para isso. Maetinga tem, de forma estimada, 2.386 residentes, mas apresenta 7.289 aptos a votar, número três vezes maior.

Ribeirão do Largo tem 4.896 habitantes e 8.110 eleitores. Potiraguá, por fim, tem 6.623 moradores e 9.212 eleitores registrados em 2022. As prefeituras das três cidades foram acionadas para comentar a situação, mas não responderam até o fechamento desta reportagem.

Cláudio André de Souza, cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), indica um fenômeno comum em cidades menores do interior como possível causa das diferenças oriundas do cruzamento de dados: a existência de eleitores que não moram na cidade a que estão vinculados.

“Vale analisar em que medida essas cidades menores podem ou não ter uma população flutuante. Ou seja, pessoas que são eleitores do município e moram em cidades vizinhas e outros locais, mas mantiveram o título vinculado ao município de origem ou que estavam antes por alguma razão”, considera o cientista.

No interior, é comum ver cidadãos que deixaram cidades menores e sempre retornam na época da eleição. Em alguns casos, tem até ônibus com moradores que chegam em municípios pequenos lotados de eleitores que residem fora, como conta um morador de Ribeirão do Largo, que prefere não se identificar.

“Várias pessoas que saíram daqui voltam em época de eleição. Quando é municipal, então, até ônibus chega com o povo todo. Muita gente com familiares na prefeitura e em cidades pequenas cada voto conta. Porém, não tem nem como 5 mil pessoas virem para cá nessa época, é muito menos”, pondera ele ao saber dos dados referentes ao seu município.

Atendente de loja e moradora de Maetinga, Priscila Nery, 33 anos, afirma que existe esse movimento de retorno no período eleitoral. Ela, porém, também pondera que isso não acontece na mesma proporção da discrepância entre moradores e votantes de sua cidade.

“Esse retorno dos moradores de fora acontece também como em qualquer interior, mas não é isso tudo. O número de habitantes do IBGE está bem errado mesmo porque, só na loja em que eu trabalho, a gente tem cadastrados mais de 4.000 mil moradores no nosso sistema”, afirma ela.

Defasagem sem Censo

Apesar dos números do TSE serem atuais para a eleição que ocorre a menos de duas semanas, o levantamento mais recente do IBGE estima as populações com base no Censo Demográfico de 2010. Jorge Almeida, professor do Departamento de Ciência Política da Ufba, aponta que esse tipo de estimativa costuma ser imprecisa.

“Essas estimativas são muito falhas por serem feitas à base de alterações populacionais anteriores. Porém, se houve algum fato no município, que alterou a tendência média que existia, essas estimativas não pegam. Então, os dados do TSE são mais precisos e os do IBGE são defasados”, fala ele, explicando as grandes diferenças.

As Estimativas das Populações que, por lei, precisam ser divulgadas anualmente pelo IBGE são feitas através de um cálculo baseado na tendência de crescimento apresentada pelos municípios nos últimos censos demográficos e no quantitativo geral da população da Bahia. Mariana Viveiros, Supervisora de Disseminação de Informações do IBGE, diz que os resultados têm, de fato, limitações.

“Quando a gente faz a estimativa de 2021, refletimos um movimento de população registrado em 2000 e 2010. Ou seja, estamos refletindo o passado. E a gente sabe que os movimentos podem mudar. Como não temos o Censo em 2020, só agora em 2022, com a realização dele, vamos ter uma nova baliza real e mais precisa”, explica.

Se direcionarmos o olhar para os dados do TSE de comparecimento, a possibilidade de números defasados fica ainda maior. Em 2020, na cidade de Maetinga, 7.175 eleitores estavam aptos. Destes, 5.440 foram votar, uma taxa de 75,82%. No município de Ribeirão do Largo, no mesmo ano, 83,10% dos 7.978 votantes compareceram. Já em Potiraguá, na mesma eleição, quando 9.220 pessoas poderiam votar, a taxa de comparecimento foi de 72,91%.

Cidades com mais eleitores que habitantes: Barro Preto, Boa Nova, Caatiba, Caraíbas, Catolândia, Coaraci, Contendas do Sincorá, Dom Macedo Costa, Gavião, Guajeru, Ibiassucê, Ibirataia, Iramaia, Itapé, Jaborandi, Jitaúna, Jussiape, Lafaiete Coutinho, Lajedão, Lamarão, Maetinga, Maracás, Mirante, Mucugê, Mulungu do Morro, Muniz Ferreira, Piatã, Potiraguá, Quixabeira, Ribeirão do Largo, Santanópolis, Saubara, Serra Preta, Sítio do Quinto, Tremedal e Vereda.