Garimpeiro mostra saco com mais de dez quilos de pedras extraídas na mina da Quixaba. No topo da Serra, um quilo de ametista é vendida entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil (Foto: Arisson Marinho/CORREIO DA BAHIA)
Ragesh é como ele se apresenta aos que operam para ele. Mas todos na mina recém-descoberta em Sento Sé e nas ruas da cidade o conhecem pelo apelido de “Indiano”. Nas primeiras semanas que se seguiram à descoberta da jazida no povoado de Quixaba, o Indiano se deslocou para lá, entrincheirou-se no quarto do Hotel da Geralda, na praça central do município, e montou um escritório informal para negociar centenas de quilos de ametista. Pessoas como Ragesh atuam no mercado clandestino de pedras preciosas como contrabandista e se articulam em uma rede que inclui ainda atravessadores e compradores.
É o Indiano quem concentrava as atenções dos vendedores de pedras. Magro, estatura mediana e 40 anos aparentes, Ragesh é um sujeito discreto. Fala muito pouco e quase nunca atende alguém em pessoa. Um colaborador, de prenome Pedro, fluente em hindi, é quem serve de ponte nas negociações. Raramente é visto fora do quarto do hotel e só come a própria comida, trazida por ele na bagagem.
Quando sai do quarto, vai no máximo ao restaurante em frente, onde pede sempre a mesma coisa: coca-cola e batata frita. Sua meta na cidade não é fazer amigos nem ganhar a simpatia dos moradores de Sento Sé. No tipo de negócio em que trabalha, popularidade e proximidade demais trazem riscos altos. Até o nome – Ragesh – tem grande possibilidade de não ser verdadeiro. Ele foi para lá apenas comprar pedras. Só as de qualidade.
Para pequenos lotes, de até R$ 10 mil, o pagamento é feito em dinheiro. Valores maiores são repassados por meio de transferência eletrônica, direto para a conta. Característica dos indianos, a habilidade para negociar de Ragesh é apontada pelos que comercializam ametista para ele. Primeiro, oferece uma quantia. Nem um centavo a mais. Caso não seja aceita, tudo bem. Caso o vendedor retorne depois, disposto a aceitar a soma anterior, a oferta cai invariavelmente em cerca de 20%.
Na quarta-feira da semana passada, o entra e sai no Hotel da Geralda era intenso. Em frente ao estabelecimento, dois outros elos do mercado de pedras preciosas – os atravessadores e os compradores – não paravam de chegar com sacos cheios de ametistas brutas retiradas da Serra dos Brejinhos, onde se deu a descoberta da jazida em 18 de abril.
Vereador de Pindobaçu, Poroca abriu um serviço na Serra dos Brejinhos, no povoado da Quixaba, onde a jazida foi descoberta; o político atua também como atravessador (Foto: Arisson Marinho/CORREIO DA BAHIA)
Mercadores
Em geral, os atravessadores, também chamados de pedristas, são ex-garimpeiros da região que subiram na cadeia. Negociam quantidades menores e costumam adquirir lotes diretamente no garimpo para revender aos compradores. Já estes são empresários ou autônomos com maior poder financeiro, quase sempre vindos de estados ou cidades baianas com tradição em pedras preciosas. Especialmente, diamantes, esmeraldas, ametistas e rutilo.
Na parte mais baixa da cadeia, estão os garimpeiros. Cada quilo de ametista bruta vendido por eles custam entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil. A variação depende da qualidade da pedra. Leva-se em conta a intensidade de cor, limpidez e formato da pedra. O chamado “pião”, cuja ponta forma um hexagono perfeito, são as prediletas.
Nas mãos dos atravessadores, o quilo pode ser repassado de R$ 4 mil a R$ 8 mil. Já os compradores revendem para contrabandistas internacionais ou empresas legais no segmento de gemas por o dobro ou o triplo do valor que pagaram. Aos “quijilas”, que classificam as pedras no garimpo de acordo com a categoria, sobram os produtos de valor baixo, destinados aos artesãos.
Há compradores e atravessadores que também abriram o próprio serviço de extração no povoado de Quixaba. É o caso de Procópio da Silva Reis Filho, vereador de Pindobaçu pelo PCdoB. Poroca, como é mais conhecido, demarcou seu buraco no topo da mina e, junto com garimpeiros que trabalhavam com ele nas jazidas de esmeralda da Serra das Carnaíbas, começou a retirar lotes grandes de ametista.
“Achei um bom corte (veio, no jargão do garimpo), considerado atualmente um dos mais produtivos e de boa qualidade daqui de Quixaba. Um quilo vendido por mim para grandes compradores sai de R$ 8 mil a R$ 10 mil”, afirma Poroca. Ao lado dele, está o buraco de Hélio da Batateira, garimpeiro que já conseguiu lucrar cerca de R$ 500 mil com a extração de ametistas.
Exterior
Na turma de grandes compradores que desembarcaram em Sento Sé, facilmente reconhecidos pelas picapes luxuosas com tração 4×4, estão Hugo e Gleidson. Ambos só aceitaram conversar com a reportagem após negociar duas condições: nada de fotos ou de nomes completos.
Um dos compradores que negociam pedras preciosas para estrangeiros, o goiano Gleidson deixa o garimpo de Sento Sé com sua picape carregada de ametistas (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)
O primeiro, natural de Campo Formoso, costuma vender diretamente para estrangeiros. Também leva pedras para fora do Brasil. Sobretudo, para Bangkok, na Tailândia, considerada a capital mundial das gemas lapidadas que circulam no mercado clandestino. O segundo, um ex-lapidário de Goiás, movimenta grandes lotes de pedras para negociantes de Minas Gerais ou contrabandistas da Índia, China e Japão.
Um dos compradores que negociam pedras preciosas para estrangeiros, o goiano Gleidson deixa o garimpo de Sento Sé com sua picape carregada de ametistas (Foto: Arisson Marinho/CORREIO DA BAHIA)
Tanto Minas quanto esses três países absorvem grande parte da produção do Brasil. Em Sento Sé, além de indianos, já chegaram chineses e japoneses, que preferem comprar no garimpo, guardam as pedras em fazendas e andam sempre com seguranças. Basicamente, policiais da região.
Cada contrabandista tem um mecanismo próprio de levar as pedras para o exterior. Chineses e japoneses usam o artifício da carga embarcada, em articulação com exportadores de frutas que trocaram seus países de origem pelo Vale do São Francisco.
As pedras são armazenadas em caminhões de manga ou uva, sempre com nota fiscal de valor baixo. Daí, a carga é embarcada nos navios dentro de contêineres. Já os indianos são mais silenciosos. “Eles não dizem, ninguém conhece quem são os caras que carregam as pedras para eles”, diz Gleidson. Tudo ao arrepio da lei.