A estiagem causa prejuízos bilionários
Situada na Chapada Diamantina, no Semiárido baiano, Itaberaba, com seus 65 mil habitantes, é um importante centro de abastecimento da região central da maior economia do Nordeste. Uma parceria entre técnicos e produtores transformou a zona rural do município no maior produtor estadual de abacaxi, com mais de 2 mil hectares de área plantada, 6 mil empregos diretos e indiretos e receita anual de 30 milhões de reais.
O abacaxi é destinado às feiras e aos pequenos supermercados baianos e parte dessa produção é vendida para São Paulo, o maior mercado consumidor. A mais longa estiagem da história, que persiste há cinco anos, tem alterado, no entanto, a dinâmica local, o que prejudica os agricultores familiares, reduz as plantações e aumenta os custos de produção com a aquisição de caminhões-pipa.
A menor oferta de abacaxi do tipo pérola provocou a redução do tráfego de caminhoneiros e carregadores na cidade. Resultado: a economia local sofre os efeitos da seca. “As vendas estão em queda, produtos como iogurtes e refrigerantes são trocados por outros mais baratos e de primeira necessidade, os hábitos mudaram com a seca”, afirma Florisvaldo Oliveira, gestor de uma central de negócios que reúne 20 supermercados de Itaberaba.
A união dos empresários foi a saída para sobreviver. O grupo compartilha despesas de marketing e usa a escala para comprar produtos em grandes quantidades a preços mais baixos.
No Agreste de Pernambuco, Toritama ganhou espaço nas últimas duas décadas ao se consolidar como um dos principais polos de produção de jeans no Brasil, atrás apenas de São Paulo. A seca mudou a paisagem: no lugar de ônibus com turistas em busca de peças, hoje se veem caminhões-pipa a abastecer a população e as confecções, que precisam do insumo para a lavagem desse tecido.
Mais de 20 lavanderias fecharam as portas nos últimos dois anos, a produção caiu 60% e os custos aumentaram. Mas a indústria da seca prosperou. Alguns empresários investiram na compra de caminhões-pipa e na logística de distribuição de água. A esperança é de que uma barragem, construída em caráter emergencial pelo governo, possa melhorar a situação.
“Se tivermos água a cada 15 dias, que era o normal, poderemos nos organizar”, afirma Edilson Tavares, prefeito da cidade. Um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios aponta que, entre 2013 e 2015, a estiagem causou um prejuízo de 103,5 bilhões de reais na região, cifra que tende a crescer, pois a seca continua.
Nos próximos meses, principalmente a partir de novembro, quando se inicia o período das chuvas, a atenção estará em São Pedro. Chuvas acima da média serão fundamentais para a região começar a regularizar seus reservatórios. No curto prazo, campanhas de racionalização estão em vigor em várias capitais, enquanto no interior dos estados o drama é mais intenso. O sinal amarelo está aceso. Para João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, a crise é resultado da falta de chuvas combinada à de planejamento, gestão e a influências políticas.
Barragem hidrelétrica (Foto: Chesf)
Há dez anos, o açude de Boqueirão de Cabaças, na Paraíba, atendia à cidade de Campina Grande e outros oito municípios ao redor. Hoje são 18 cidades atendidas. A represa de Castanhão, no Ceará, que opera abaixo de 10% da sua capacidade, tem um volume de 6,7 bilhões de metros cúbicos por dia.
Com pouco mais de 35 bilhões de metros cúbicos de água, volume que poderia encher por 14 vezes a Baía de Guanabara, a represa de Sobradinho, na Bahia, opera com cerca de 10% de sua capacidade e corre o risco de ingressar no volume morto em novembro.
No Ceará, foi construído um canal de interligação entre a represa de Castanhão e o distrito industrial do Porto do Pecém para ampliar o abastecimento para as indústrias instaladas, como a Companhia Siderúrgica do Pecém, cujo consumo se iguala ao de uma cidade de 90 mil habitantes. “Com a piora da crise hídrica, o conflito sobre o uso da água e seus fins crescerá”, observa Suassuna.
A transposição do Rio São Francisco, principal obra federal para abastecer o Nordeste, ainda não foi concluída. O Eixo Leste, entregue em abril, vai beneficiar 4,5 milhões de habitantes em 168 municípios que sofrem com o longo período de seca e estiagem nos estados de Pernambuco e Paraíba.
O Eixo Norte, que ampliará o abastecimento no Ceará e no Rio Grande do Norte, está em construção e deverá ser inaugurado em 2018. O Canal do Sertão Baiano (transposição do Eixo Sul do São Francisco), com 312 quilômetros de extensão, de Juazeiro à Barragem de São José do Jacuípe, reivindicação principalmente do governo da Bahia, teve seu estudo de viabilidade econômica e técnica concluído em 2013, mas faltam recursos para a obra.
“Bancamos o projeto, que está em Brasília há alguns anos”, afirma Bruno Dauster, secretário da Casa Civil da Bahia. Para que a água possa ampliar o abastecimento da população, faltam obras de quilômetros de adutoras dos estados, boa parte delas financiada com recursos da União.
Um exemplo está em Pernambuco, que conta com a construção dos pouco mais de 1,3 mil quilômetros de adutoras que farão o projeto de transposição do São Francisco atender 2 milhões de moradores. A primeira etapa, que recebe 90% de recursos da União e 10% do governo estadual, prevê investimentos de 1,4 bilhão de reais. Hoje, com a conclusão do Eixo Leste, são atendidos pouco mais de 35 mil pernambucanos em apenas um município.
Faltam ainda 580 milhões de reais para o término da primeira etapa da obra, prevista para ser entregue nos próximos meses e que poderia ampliar o abastecimento para 17 cidades e 800 mil pernambucanos. “Há um risco de paralisação. Essa primeira etapa é essencial para a construção da tubulação e o tratamento de água, só assim poderemos deslanchar a segunda fase, que ampliaria o abastecimento para 45 cidades e para 2 milhões de pernambucanos”, destaca Roberto Tavares, presidente da Compesa, companhia estadual que atua em Pernambuco.
A construção da segunda etapa é pauta de conversas entre os governos federal e de Pernambuco e mostra os desafios que, mesmo após sua conclusão, terão de ser transpostos. Tavares lembra o pacto assinado em 2005 entre a União, Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.
Os estados comprometiam-se a pagar pela água e recebiam algumas contrapartidas. No caso de Pernambuco, a construção das adutoras do Agreste, financiada em sua maioria por recursos do governo federal. “A conclusão é essencial para melhorar o abastecimento hídrico e a transposição fazer sentido para a população”, acrescenta Tavares.
Ramal da transposição (Foto: Beto Barata/PR)
Os termos do pacto têm outro peso. A União estuda lançar uma PPP para a operação e manutenção das obras de transposição do Rio São Francisco. Boa parte dos municípios tem baixa renda per capita e baixo Índice de Desenvolvimento Humano, o que exigiria a existência de subsídios cruzados. “É preciso discutir o modelo a ser aplicado e os preços”, aponta Tavares.
O pagamento da água pelos estados também dependeria da execução do acordo de 2005, ou seja, da conclusão das obras federais e daquelas tocadas pelos governos locais que contam com financiamento da União. Isso pode abrir um debate entre os governadores e Brasília no momento em que a crise fiscal aperta as contas de ambos os lados.
Operar e manter as obras de transposição, depois de concluídas, será um desafio. “Fazer a obra é fácil, manter e operar é o mais importante”, explica Tavares. Na Paraíba, técnicos detectaram em agosto que 20 milhões de metros cúbicos de água não chegaram aos reservatórios. Foram perdidos no caminho, provavelmente captados por fazendas próximas à obra.
“O abastecimento humano é prioridade, mas isso mostra os desafios que a transposição terá. Quem irá geri-la será obrigado a fazê-lo com critérios e indicadores, o que exigirá profissionalismo”, afirma João Abner, assessor da Caern, empresa estadual do Rio Grande do Norte. Segundo suas estimativas, dos 9 milhões de metros cúbicos por segundo retirados em Itaparica, apenas entre 600 mil e 1,3 milhão têm chegado à represa do Boqueirão. Culpa das infiltrações, da evaporação exacerbada e dos furtos.
Há outro desafio: a interdependência com o setor elétrico. A vazão dos reservatórios das hidrelétricas de Sobradinho (BA) e Xingó (AL), no Rio São Francisco, que chegou a 1,3 milhão de metros cúbicos por segundo, hoje está na metade. A redução dos volumes teria sido mais rápida se, em vez de priorizar a geração de energia das hidrelétricas, que demandam maior volume de água para rodar suas turbinas, se optasse pelo abastecimento da população.
A mudança da matriz elétrica aumentará o eventual conflito. Entre 2013 e 2018, é prevista a entrada de 20 mil megawatts de capacidade hídrica no sistema. Destes, 99% serão produzidos em usinas sem reservatórios. Os benefícios de investimentos do setor para outros segmentos, como navegação de rios, a captação de água ou a irrigação em bacias, ficarão mais restritos.
Os estados movimentam-se para reduzir os efeitos da crise. No Maranhão, o governo estruturou um programa para distribuição de milhares de cisternas para escolas rurais e agricultores familiares. Um dos desafios foi criar sistemas de armazenamento que pudessem ser instalados em residências cobertas em sua maioria por telhados de palha, o que impediu que fossem usadas caixas-d’água nos tetos.
“Tivemos de desenvolver uma nova tecnologia que pudesse ser usada no interior”, diz Adelmo Soares, secretário de Agricultura Familiar do Maranhão. Outro programa fortalecido é o Mais Feira, que distribui um kit composto de barracas, balanças, jalecos, caixa de isopor, gaiola plástica para aves e treinamento de comercialização e higiene. Estimulam-se os municípios a realizar feiras de alimentos. A cidade de Santa Filomena realizou sua quarta feira neste ano. Anteriormente, os habitantes tinham de se deslocar às comunidades vizinhas para fazer compras.
Desde 2015, o governo do Ceará investiu mais de 1 bilhão de reais em obras para evitar racionamento de água na Região Metropolitana de Fortaleza. Um dos principais projetos é o Cinturão das Águas, que vai permitir a transferência de volumes excedentes da transposição do São Francisco para o Açude Castanhão e o Açude Orós, melhorando o abastecimento para 3,5 milhões de habitantes da capital e do entorno.
Com grande parte de recursos do governo federal, a obra, cujo investimento é estimado em 2 bilhões de reais e vai se interligar com o Eixo Norte da transposição, deverá ser concluída nos próximos meses. O secretário de Recursos Hídricos do Ceará, Francisco Teixeira, destacou, em evento recente, a necessidade de obras de grande porte para a convivência com a seca.
“Infelizmente, a chuva desses últimos meses caiu de forma irregular, mais na Região Centro-Norte e menos para o Sul do Ceará. Os maiores açudes não tiveram recarga significativa. O sistema metropolitano aumentou de 14% para 49%, garantindo o abastecimento até o segundo semestre de 2018 na Região Metropolitana de Fortaleza, mas a situação é crítica ainda.”
Outra ação é a perfuração de poços no interior. Nos últimos dois anos, foram abertos perto de 3,8 mil poços para beneficiar famílias em zonas rurais e urbanas no interior. Muitas cidades e distritos, de até 30 mil habitantes, hoje têm sido abastecidos com poços profundos. Novas máquinas, que poderão perfurar profundidades de até 400 metros, devem chegar até outubro, além de uma frota de três caminhões.
A meta do governo cearense é perfurar cerca de 1,8 mil poços até o fim do ano. Outra novidade foi o lançamento de um edital de PPP para a construção de uma estação de dessalinização de água do mar para a Região Metropolitana. O projeto, o maior do tipo no País, deve ser erguido em Mucuripe ou Pecém e é estimado em mais de 500 milhões de reais.
A Bahia avança com obras em duas barragens. A do Rio Colônia, em Itapé, no sul do estado, tem previsão de entrega até o fim do ano. Com isso, aumenta a garantia do abastecimento de água para 350 mil habitantes de Itabuna. A barragem do Catolé, que será responsável pelo abastecimento da região de Vitória da Conquista (sudoeste), terceiro maior município baiano e que sofre com racionamento de água, teve seu projeto aprovado pelo Ministério das Cidades. O empreendimento deve ficar pronto até o fim da década.
por Roberto Rockmann