No Hospital Espanhol, ficou comprovado que maioria dos infectados estão nessa situação
A impressão de que a pandemia havia chegado ao fim foi sentida por muitos baianos há alguns meses. Mas agora, com o aumento do número de casos de covid-19, é quase impossível não conhecer alguém que apresentou sintomas gripais em junho. Enquanto isso, pessoas com o esquema vacinal incompleto são maioria nos internamentos. É o caso do Hospital Espanhol, onde 72% dos pacientes internados estão com doses da vacina anticovid em atraso.
Reativado na capital baiana por conta da covid-19, o Hospital Espanhol possuía 74 dos seus 160 leitos ocupados nesta quinta-feira (30). Entre todos os internados, 53 pessoas não haviam completado o esquema vacinal com todas as doses que estão disponíveis para a covid-19. Tanto na enfermaria como nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), a maioria dos leitos é ocupada por pacientes com mais de 60 anos e com doenças pré-existentes.
“Hoje percebemos que a maioria dos pacientes que aqui estão não completaram o esquema vacinal. Nós consideramos o esquema incompleto quem só tomou a primeira ou duas doses, ou ainda que não tomou as doses de reforço […] O reflexo da importância vacinal é sentido dentro do aumento de casos que vemos na Bahia, por isso é essencial que todas as doses estejam em dia”, afirma a diretora-geral do Hospital Espanhol, Sílvia Herranz.
A diretora diz ainda que no mês de junho houve um aumento considerável no número de internações no hospital. “Temos tido uma curva ascendente nessas últimas duas semanas. Em sua maioria não são casos agudos, mas cerca de 65% dos pacientes são idosos com alguma comorbidade, como hipertensão e diabetes”, revela Sílvia Herranz.
Apesar da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) não informar as condições de saúde de todos os pacientes internados por complicações da covid-19, a situação do Hospital Espanhol é representativa do que ocorre em outras unidades. Só o Espanhol possui 35% dos leitos ativos para a covid do estado e contém 57% de todos os pacientes internados com a doença na Bahia.
Somente no último mês, a Bahia registrou um aumento de mais de 10 vezes no número de casos ativos da doença – que saltou de 860 para 9.740. É sabido que as vacinas contra a covid não impedem que as pessoas se contaminem com o vírus. A importância delas é outra: evitar que casos graves da doença se desenvolvam e, consequentemente, que os centros de saúde não fiquem lotados como no início da pandemia.
Na manhã de quinta-feira (30), a secretária estadual de saúde, Adélia Pinheiro, alertou que a maior parte das pessoas que precisa ser hospitalizada não completou o ciclo vacinal ou não tomou nenhuma dose do imunizante.
“Permanece um grande chamamento à vacinação. Os internados são idosos e pessoas que não completaram a vacinação ou não tomaram nenhuma dose”, disse a titular da pasta.
Reforço é necessário porque depois de seis a sete meses, a imunidade contra o vírus da covid-19 cai naturalmente
Atrasados
Mesmo sabendo que a dose de reforço é essencial para que o sistema imunológico esteja fortalecido contra a covid-19, uma estudante de 20 anos que preferiu não se identificar conta que tem procrastinado a terceira dose da vacina. A jovem tomou a segunda dose em outubro e, quatro meses depois, já poderia ter voltado ao posto para receber a terceira dose.
“Eu poderia ter tomado desde o dia 20 de fevereiro, mas com o início das aulas eu passei a ficar dois turnos na faculdade e aos finais de semana vinha para minha cidade, quando não ficava em Salvador para estudar. Somado ao fato que os postos perto da minha casa não estavam vacinando”, diz a estudante de Medicina.
Agora que está de férias da faculdade, ela pretende se vacinar assim que possível. Diferentemente do autônomo Pedro Fernandes, 25, que só tomou as duas primeiras doses da vacina e revela que não pretende tomar a terceira. “Ouvi muito burburinho com a segunda dose e eu fiquei um tempo com uma fraqueza na perna, não sei se teve relação direta com a vacina, mas fiquei com aquilo na cabeça”, relata.
Em junho deste ano, o jovem se contaminou com a covid-19 e teve sintomas como febre alta, dor de cabeça e coriza. Além de relatar ter perdido o olfato e o paladar. Um estudo divulgado na quinta-feira (30), indica que seis em cada 10 mortos e internados em decorrência da covid-19 no país entre março e junho deste ano não tomaram a terceira dose da vacina.
Os números apontam ainda que em três de cada 10 óbitos, a dose de reforço foi tomada no ano passado, o que indica a necessidade de uma quarta dose em 2022. A maior parte das vítimas era idosa e possuía comorbidade, como a maioria dos internados no Hospital Espanhol. A pesquisa foi feita pela Info Tracker, plataforma de monitoramento ligada à Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Especialistas reforçam que a vacinação é segura e imprescindível, tanto individualmente como coletivamente. “Pedimos que a população retorne aos drives thru ou postos para completar o esquema vacinal, para que a gente traga o reforço da imunização enquanto há um aumento nítido de casos pós festas de São João”, diz Sílva Herranz.
Mais de 1 milhão de pessoas não tomaram a primeira dose na Bahia
Mesmo com todas as campanhas de vacinação, cerca de 1,1 milhão de baianos não tomaram nem a primeira dose do imunizante contra a covid-19, segundo dados da Sesab. O número corresponde a 8,7% de todo o público alvo. No total, mais de 7,4 milhões de pessoas estão com alguma das doses da vacina em atraso no estado.
O ritmo da vacinação desacelerou em toda a Bahia quando se trata das doses de reforço, admite o técnico da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do estado, Ramon Saavedra. “Percebemos que o ritmo para as doses de reforço não foi o mesmo que vimos durante a aplicação da primeira e da segunda dose. Isso é preocupante porque os estudos mostram que depois de cinco a sete meses da segunda dose, há uma tendência natural de perda de anticorpos do organismo”, diz.
O aumento de casos ativos em todo o estado, em especial no interior, após as festas de São João preocupa: “O aumento já vinha se notabilizando desde o dia 29 de maio, ainda é discreto se comparado com as três grandes ondas da pandemia. Mas essa tendência consolidada nos preocupa sobretudo porque estamos entrando em um período de férias que pode potencializar o contágio”.
Ramon Saavedra diz ainda que a Sesab tem orientado que os municípios realizem busca ativa para atender as pessoas que estão com o ciclo vacinal atrasado. “É preciso criar estratégias alternativas para buscar esse público, como postos volantes e criar terceiros turnos para vacinação”, afirma.
Nesta quinta-feira (30), durante a inauguração de uma escola em Salvador, o governador Rui Costa fez um apelo para que as pessoas se vacinem. O gestor apontou ainda que apesar do número crescente de infectados, a quantidade de casos graves ainda está sob controle, o que atribuiu à imunização.
“Nós não estamos tendo crescimento na mesma proporção do número de internados. Houve um pequeno crescimento, tínhamos 50 pessoas internadas e, hoje, temos 65. Lembrando que nós tínhamos 50 quando tínhamos 200 a 300 pessoas contaminadas. Hoje, estamos com 65 com 8 mil infectados, ou seja, houve um crescimento vertiginoso no número de contaminados e praticamente o número de internados não mudou”, disse.
Desigualdade social contribuiu para mais mortes em decorrência da covid-19
Quanto mais desigual uma região, maior a taxa de mortalidade acumulada por conta de infecções da covid-19. É o que aponta o Índice de Desigualdades Sociais para a Covid-19 (IDS Covid-19), elaborado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde da Fiocruz (Cidacs), sediado em Salvador.
O índice foi obtido a partir do cruzamento de informações de diversas fontes, como o Censo Demográfico de 2010 e levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador foi lançado na quinta-feira (30) e todos os dados estão disponíveis no site.
O resultado da pesquisa mostra que a maioria dos municípios que melhoram a situação sanitária durante os três piores momentos da pandemia encontra-se nas regiões Sul e Sudeste. Enquanto que mais de 90% dos municípios do Norte e Nordeste continuam registrando os piores cenários de desigualdade.
“Analisando o IDS Covid-19, pode-se verificar que na região Nordeste cerca de 92% dos municípios permaneceram nas piores situações de desigualdade social em saúde e não alteraram isso nas três ondas da pandemia. Em contraste, na região Sudeste, 35% dos municípios estavam nessa situação”, afirma Maria Yuri Ichihara, coordenadora do IDS Covid-19.
A pesquisadora explica ainda que os investimentos em saúde para as cidades do Norte e Nordeste do país não foram suficientes para reduzir as desigualdades existentes. “Quando analisamos o índice e os padrões epidemiológicos, é possível verificar que há relação entre desigualdade social em saúde e mortalidade acumulada por covid-19”, explica Maria Yuri.
“É necessário investir recursos no Sistema Único de Saúde, reforçando a regionalização e hierarquização da atenção e melhorando a quantidade e o acesso à saúde. Também, implementar políticas públicas como transferência de renda, segurança alimentar e habitação”, acrescenta.
Fonte: Correio da Bahia – Maysa Polcri, com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo e colaboração de Gil Santos.