Uma em cada quatro mulheres já sofreram violência obstétrica, praticada pelos profissionais da saúde caracterizada pelo desrespeito, abusos e maus-tratos durante a gestação e/ou no momento do parto.
Após um médico anestesista ser preso em flagrante por abusar sexualmente de uma gestante durante uma cesariana, a discussão sobre o direitos das mulheres na hora do parto voltou à tona. O quer fazer para evitar esses tipos de crimes? No caso do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso na madrugada de segunda-feira, ele usava ao menos três estratégias para cometer o crime: Sedação, cortina e retirada de acompanhantes.
Uma em cada quatro mulheres já sofreram violência obstétrica. A Psicóloga Perinatal/Obstétrica e da Parentalidade, Rafaela Lyra, lida diariamente com vítimas da violência: “A violência obstétrica pode ser do mais variado tipo, desde brincadeiras maldosas, até agressões verbais e físicas, psicológicas, simbólica e sexual. Esse tipo de violência pode deixar sequelas psicológicas permanentes na paciente, de forma consciente e outras vezes mascaradas na ideia de que “não tive uma gestação, parto e pós-parto feliz e não quero passar por isso de novo”.
Rafaela lembra que toda violência contra mulher em seu período de gestação, parto e puerpério é chamado Violência Obstétrica. “E ao contrário do que muitos pensam, essa violência pode não ser causada somente pelos médicos, mas também por qualquer profissional de saúde que acompanhe a paciente e até por um familiar ou acompanhante. Também pode ocorrer durante a assistência ao parto em centros de saúde. Forçar um parto cesáreo sem indicação médica, fazer graça ou zombar da gestante como, por exemplo, dizer “Na hora de fazer foi bom, agora você chora”? – “Não sei pra que esse chilique, ano que vem tá aqui parindo de novo”, se recusar a realizar anestesia ou aliviar a dor, utilizar de manobras como a de Kristeller ou procedimentos sem indicação para “acelerar o parto”, amarrar a gestante, proibir a presença de um acompanhante, etc. Muitas vezes, essas violências podem ser cometidas de forma inadvertida, por falta de informação ou preparo. Podem ser cometidas até por bons profissionais, ou por familiares que amamos, por sua bagagem pessoal de vida e experiências prévias. “
De acordo com Relatório das Nações Unidas, a informação é que nos últimos 20 anos, profissionais de saúde ampliaram o uso de intervenções que eram anteriormente usadas apenas para evitar riscos ou tratar complicações no momento do parto, além de atitudes desrespeitosas e invasivas se tornaram mais frequentes.
Os direitos da mulher na gravidez, parto e pós-parto precisam ser conhecidos, para que ela possa exigir o cumprimento deles e ter uma experiência positiva.
A ginecologista obstetra Lorena Magalhães ressalta a função de apoio psicológico do acompanhante durante a condução do trabalho de parto: “ Em todo trabalho de parto, ela fica mais confortável, mais segura, o emocional mais estabilizado, é importante que o acompanhante fique perto dela, leve-a ao banheiro, ajude na deambulação, nos movimentos, dê a segurança para ela passar pelo processo, é bem interessante ter alguém da sua confiança. ”
A enfermeira obstétrica e parteira domiciliar, Virna Caribé, explica que embora muitas conquistas das mulheres já tenham sido institucionalizadas e garantidas pela legislação brasileira, ainda convivemos com a realidade de supressão ou de ignorância de direitos nos mais diferentes contextos: “No caso da violência obstétrica, o acesso ao pré-natal de qualidade é essencial. Para além das questões técnicas, mas que incorpore também a preparação para o momento e via do parto, em seus aspectos físicos e emocionais. ”
Outra perspectiva abordada por Virna é ter a consciência de que dar à luz não significa sofrer “ Parto não é sinônimo de sofrimento e que elas devem ser as protagonistas daquele momento, com as suas escolhas respeitadas. Acesso à informação sobre seus direitos à analgesia, à presença do acompanhante de livre escolha desde o momento da sua admissão nas maternidades, inclusive durante o parto, a presença da doula e, indispensavelmente, a assistência segura e livre de intervenções desnecessárias sobre o seu corpo. A mulher bem informada sobre seus direitos é capaz de inibir muitas dessas formas de violência”
Direitos da mulher durante a gravidez
A advogada Ana Paula Braga explica que ainda faltam leis no Brasil que assegurem direitos femininos:
“No Brasil, ainda não temos uma lei que reconheça a violência obstétrica e previna sanções para isso. Porém, já tivemos algumas condenações na justiça a indenização por danos morais, e a depender da conduta praticada, pode-se configurar alguns crimes também (como lesão corporal, violência psicológica, entre outros). Porém, existem diversas normas que garantem direitos à gestante, seja antes, durante e após o parto.
Uma delas é a Lei do Planejamento Familiar (Lei 9.263/96), que garante, dentre outras coisas, a assistência à concepção e contracepção, o atendimento pré-natal e a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato. Temos também a Lei 11.634/2007, que dispõe sobre o direito da gestante ao conhecimento e a vinculação à maternidade onde receberá assistência no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Direitos da mulher no parto
É importante que todas as gestantes conheçam os seus direitos e as suas garantias legais. Entre estes direitos, a advogada feminista Juliana Kopp destaca a importância do direito a um acompanhante. De acordo com a Lei n. 11.108, de 2005, e com a Portaria n. 2.418/2005, nenhuma mulher pode ser privada de um acompanhante escolhido por ela, em nenhum momento do trabalho de parto, parto e pós-parto. Ainda de acordo com as normas, o hospital tem a obrigação de informar à paciente que ela tem direito a ser acompanhada por uma pessoa indicada por ela. “A presença do acompanhante é de fundamental importância na prevenção da violência obstétrica, afinal, no momento de maior vulnerabilidade da parturiente, o acompanhante este pode exigir o respeita a integridade física e psíquica da gestante”, afirma a advogada.
“É importante destacar que o acesso das gestantes e recém-nascidos a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto, puerpério e período neonatal são direitos inalienáveis da cidadania. Inclusive, a Organização Mundial da Saúde considera a violência obstétrica como violação dos direitos humanos” afirma Juliana Kopp, advogada especialista na defesa dos direitos das mulheres.
Caso tal direito não seja assegurado, a mulher ou seu acompanhante deve procurar a Ouvidoria do Ministério da Saúde (em caso de violação de direitos no SUS, disponível no ligue 136) ou na Ouvidoria do próprio hospital (caso seja um hospital privado). Também é cabível uma ação de indenização posteriormente, caso esse direito seja violado.