Uma semana após o acidente com a Lancha Cavalo Marinho I, que fazia a travessia Mar Grande-Salvador e deixou 19 mortos e uma adolescente desaparecida,uma reportagem especial do jornal Correio da Bahia relembra o que aconteceu nesses oito dias, e o que ainda não foi esclarecido sobre o acidente.
24/08
Embarcação Cavalo Marinho I virou 10 minutos após sair do Terminal Náutico de Vera Cruz. Moradores ajudaram a resgatar passageiros que estavam se afogando, com barcos de pesca. Curiosos ficaram à beira da praia aguardando que outras pessoas fossem resgatadas. Algumas pessoas conseguiram se salvar porque voltaram nadando para Mar Grande.
Os passageiros tiveram dificuldade para conseguir usar os coletes salva-vidas que tinham na embarcação porque eles estavam amarrados. Segundo relato de sobreviventes, o resgate chegou apenas duas horas após o acidente.
“Havia várias pessoas idosas e crianças. Depois que lancha virou, levamos quase duas horas dentro do mar até sermos resgatados”, contou o sonoplasta Edvaldo Santos, 51 anos, que machucou a perna no acidente e perdeu todos os documentos.
Sobreviventes contam que começou a chover e os passageiros foram para o mesmo lado da embarcação. Em seguida, a lancha virou. Em momentos de pânico, os passageiros fizeram o que podiam para conseguir se salvar. A administradora de condomínios Meire Reis, lembrou das orientações que o marido tinha lhe dado no dia anterior.
Sobrevivente conta como escapou de naufrágio
"Eu vi a reportagem [do naufrágio] de Belém e perguntei a meu marido: 'Se acontecer isso aqui, o que eu devo fazer?'. Ele me ensinou tudo, como me salvar, como respirar, a me afastar das pessoas. Eu tô viva e salva agradeço a ele", conta sobrevivente de naufrágio de lancha em Mar Grande. Relato emocionante à repórter Amanda Palma. Veja relato https://glo.bo/2w1rMDJ
Posted by Jornal Correio on Thursday, August 24, 2017
“Quando eu percebi que tinha virado, já estava embaixo da água tentando respirar e não conseguia. Eu pedi tanto a Deus que eu suspendi a cabeça e tive a respiração. As madeiras começaram a quebrar. O barco começou a desmanchar”, lembrou a faxineira Morenita Santana, 35 anos, que fazia a travessia todas as quintas-feiras.
O contador Jorge Manoel Teixeira, 59, estava na parte de baixo da lancha Cavalo Marinho I e saiu por uma janela. Ele teve que apoiar em um pedaço do barco e ficar cercado por corpos, aguardando o resgate.
O aposentado Justino de Jesus, 65 anos, perdeu a esposa no acidente, e não sabia nadar, mas conseguiu se segurar no teto da lancha até o socorro chegar ao local do acidente.
A Marinha confirmou que 19 pessoas morreram e uma adolescente de 12 continua desaparecida. A maior parte dos passageiros que estavam na Cavalo Marinho I faziam a travessia todos os dias para trabalhar ou estudar, como a estudante de enfermagem Lais Pita Trindade, 20. Outros passageiros iam para consultas médicas em Salvador, como a idosa Maria do Socorro, 65, que fraturou a perna no acidente.
'Fiquei cercado de corpos', diz contador que sobreviveu ao nau…
'Fiquei cercado de corpos', diz contador que sobreviveu ao naufrágio de Mar Grandehttps://glo.bo/2vdhFga
Posted by Jornal Correio on Friday, August 25, 2017
“Para subir na embarcação, tive que sair pisando nos corpos. Tinham vários corpos boiando perto de mim. Foram vários mortos. Foi terrível. Olhar para trás e não ver perspectiva nenhuma de vida”, Maria do Socorro, sobrevivente.
“A todas as famílias o meu respeito e muitas orações. Nesse momento de dor e de muita angústia, que Deus conforte o coração de todos que estão passando por essa experiência tão dilacerante”, escreveu Ivete Sangalo.
O aposentado Justino de Jesus, 65 anos, perdeu a esposa no acidente em Mar Grande. Ele contou como conseguiu escapar com vida, mesmo sem saber nadar. Sobrevivente esperou 2h por resgate e viu duas embarcações passarem sem parar para prestar socorro https://glo.bo/2wm883v (Vídeo de Gil Santos/CORREIO)
Posted by Jornal Correio on Tuesday, August 29, 2017
25/08
Vítimas começam a ser enterradas em Salvador, Vera Cruz e Itaparica. População em Vera Cruz vive o luto pelas mortes na lancha Cavalo Marinho I.“Ele amava a ilha, aquele lugar era dele”, disse a aposentada Maria Augusto Domingos, esposa do aposentado Antônio Souza, 67, que morreu no naufrágio
“Foi uma tristeza muito grande”, disse Antônio Conceição, avô de Davi Gabriel, 6 meses, morto em naufrágio.
Esposa do aposentado Antônio Souza é amparada por amigos (Foto: Marina Silva/CORREIO)
“A gente já viu tragédias como essa na televisão, mas nunca aqui na baía. O clima é de luto”, disse o pescador Jailson de Souza Bia, que ajudou a resgatar vítimas
“Era a lancha de 6h30. Alguma coisa me disse: ‘não vá’, contou Verônica Carvalho, 40, que desistiu de levar o filho, 9 anos, ao médico.
26/08
A Astramab admitiu que não tem controle sobre o embarque dos passageiros nas lanchas que fazem a travessia Salvador-Mar Grande. Segundo o presidente da Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), Jacinto Chagas, o único controle é feito pelos tíquetes que são entregues aos passageiros. “A gente não tem mesmo uma lista com os passageiros”, disse. Ainda de acordo com ele, quem tem o controle sobre os passageiros é a Socicam e a CL Transportes Marítimos, dona da embarcação.
27/08
Documento atesta que a lancha passou por 32 inspeções em 2017. A última inspeção naval foi realizada quatro dias antes do acidente. A próxima vistoria estava marcada para acontecer entre 15 de outubro de 2017 e 13 de abril de 2018, segundo o Certificado de Segurança de Navegação, que o CORREIO teve acesso, emitido em janeiro de 2016 pela Capitania dos Portos. Em abril de 2019 estava prevista a vistoria intermediária de equipamentos. O documento, assinado pela Capitania dos Portos, atesta que “a embarcação cumpre os requisitos de acessibilidade para o transporte coletivo aquaviário de passageiros. Que as vistorias evidenciaram que seu estado é satisfatório e que cumpre com as prescrições indicadas”. Este certificado é válido até 13 de janeiro de 2020.
Prefeito de Vera Cruz confirma que não há fiscalização na travessia de lanchas. Em entrevista ao Jornal Correio da Bahia, Marcus Vinicius (PMDB) destaca que o problema das travessias é antigo e que piorou nos últimos anos depois que foi privatizado.
O que restou da lancha Cavalo Marinho I, inclusive por dentro
Repórteres Bruno Wendel e Betto Jr., do CORREIO, tiveram acesso ao interior da lancha e encontraram devastação
Posted by Jornal Correio on Sunday, August 27, 2017
“A fiscalização é inexistente”, afirmou o prefeito de Vera Cruz.
Repórteres do jornal Correio da Bahia entraram na Cavalo Marinho I, que está encalhada nas pedras, próximo à praia da Gamboa, em Vera Cruz. O cenário é de destruição dentro da embarcação. Os vidros das janelas foram destruídos, os equipamentos usados na navegação todos danificados. Uma das portas que dão acesso ao local foi arrancada com impacto.
28/08
Moradores fazem protesto para impedir a travessia. A primeira lancha que deveria sair às 5h30 não iniciou as atividades. Em Mar Grande, as pessoas protestam com cartazes e pedem a melhoria do serviço. “Não queremos acabar com a travessia, pois há muitas pessoas aqui que dependem dela. Queremos garantia de segurança nas outras lanchas”, afirmou uma moradora à TV Bahia.
29/08
A travessia Salvador-Mar Grande foi retomada na terça-feira, após ter ficado parada por cinco dias. No primeiro dia de volta da travessia, um funcionário fez a demonstração de como usar os coletes salva-vidas, mas essa orientação não aconteceu na quarta-feira. O CORREIO fez a travessia e constatou que ninguém estava dando orientações aos passageiros. Segundo o presidente Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), Jacinto Chagas, a demonstração de como usar coletes salva-vidas que houve na primeira viagem depois do acidente, nesta terça, só aconteceu porque um passageiro solicitou aos tripulantes da lancha Bahia Express. “A gente ainda vai definir como vai ser essa demonstração, futuramente”, afirmou.
O comandante da Cavalo Marinho I, Osvaldo Barreto, 52, disse, em entrevista à TV Bahia, que essa embarcação era reserva. “Tive que pegar a Cavalo Marinho I porque a Nossa Senhora da Penha, a que saía nesse horário de 6h30, foi para lavagem do casco e manutenção”, contou. Ele confirmou que acenou para duas embarcações que passaram pelo local, mas que não teve resposta.
30/08
O Ministério Público pediu à Justiça que o serviço seja suspenso, e diz que lucro foi colocado como prioridade à vida dos passageiros. O pedido foi feita em caráter de urgência e ajuizado na 8ª Vara da Fazenda Pública, em Salvador, na noite de terça. Segundo o MP-BA, o pedido tem como objetivo fazer com que as empresas CL Empreendimentos Ltda e Vera Cruz Ltda, além da Agerba (agência estadual que regula os transportes) “garantam a segurança e eficiência do serviço, a partir da apresentação de uma série de laudos e documentos comprobatórios e da realização de perícias.”
“A busca pelo retorno financeiro (o lucro) foi qualificado como prioridade ao alvedrio das vidas dos seres humanos que estavam pagando para, depois, morrerem, ou sofrem lesões corporais e perda dos objetos constantes nas bagagens”, diz MP em pedido à Justiça.
Ainda não há uma causa oficial do acidente. Apenas o laudo da Marinha e da Polícia Civil poderão indicar o que realmente aconteceu. “A gente abriu um inquérito para apurar tudo, para ter esses detalhes. Existem diversas opiniões e observações que foram feitas esses dias, mas a Marinha tem responsabilidade e não vai apontar causas ainda. Estamos colocando peritos especializados para apurar o acidente e, no decorrer do inquérito, é que vamos ter essas respostas”, afirmou o comandante Flávio Almeida, do 2º Distrito Naval. Confira galeria clicando na foto abaixo
31/08
As buscas continuam sendo realizadas pela Marinha do Brasil, Corpo de Bombeiros e Grupamento Marítimo (Gmar), na Baía de Todos-os-Santos. As buscas contam com apoio de um software, que faz um raio X especial para buscar os corpos que estejam flutuando no mar. “Com esse equipamento a área das buscas foram ampliadas para cerca de 6km do local do acidente. Esse software funciona como se fosse um raio X que vai buscar no mar quando os mergulhadores nadarem áeras onde eles possam estar”, explicou o capitão Luciano Alves, subcomantante do Corpo de Bombeiros.
Segundo a Marinha, as buscas estão sendo realizadas entre as localidades de Cacha Pregos, na ponta sul da Ilha de Itaparica, e Morro de São Paulo, na Ilha de Tinharé.