Na maioria absoluta dos pequenos municípios do nordeste, a pobreza e o desalento impulsionam a decisão  e esperança de mudanças na eleição.

O sol atravessa os furos do toldo que cobre o local onde André Rosendo Lapa, 17, está curvado por cima de uma pedra com um martelo em uma das mãos e uma estaca na outra. A martelada produz um som agudo da batida do ferro na pedra, quebrada em partes iguais até se tornar um paralelepípedo. Ao lado, seu pai, José de Souza, 50, realiza o mesmo ofício. A meta é produzir por semana 1.000 paralelepípedos, cuja venda a atravessadores é a principal fonte de renda da família. O complemento vem do Auxílio Brasil, reajustado por três meses de R$ 400 para R$ 600 às portas da eleição presidencial.

A mudança não fez Souza rever seu voto, assim como a maioria de seus vizinhos no sertão da Bahia, onde mais de 90% da população vive na pobreza e na extrema pobreza. Numa eleição marcada pela piora das condições de vida e pela insegurança alimentar, o pacote de bondades que inclui o reajuste temporário do auxílio é colocado em xeque como tática eleitoral. A inflação que corrói o poder de compra e o desalento gerado por falta de oportunidades são os principais obstáculos para transformar a renda extra em votos para o presidente Jair Bolsonaro (PL) nos redutos mais pobres.

De 2019 a junho de 2022, a inflação registrou alta de 26,5% no Brasil, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), escalada puxada pela alta dos alimentos. O país também vive um retrocesso na segurança alimentar, com 33 milhões de pessoas passando fome, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. No povoado de Alagoinha, Noélia Maria da Cruz, 35, bota água na panela para fazer render o feijão-verde que cozinha no fogão à lenha. O fogão a gás, cujo preço do botijão chega a R$ 130 na região, só é usado em preparos rápidos, como ferver água para fazer café. O marido, Élcio Batista dos Santos, 40, também quebra pedras. Como não tem um terreno próprio, compra as pedras inteiras em áreas de terceiros e trabalha para pagar o investimento, restando uma pequena margem de lucro.

O Auxílio Brasil completa a renda, mas os gastos incluem alimentos, gás, água, energia, além de despesas com os filhos de 15 e 4 anos. A conta não fecha. “Botam esse auxílio aí, mas não acompanha a inflação, aí não adianta nada. Você pega R$ 600 e vai ao mercado, não dá para fechar o mês”, afirma Élcio, que não vê em Bolsonaro um presidente que trabalha para os pobres: “Não tem um rico que ache ele ruim”. Na casa em frente vivem Josefa Maria da Cruz, 62, e seu marido, José Américo da Cruz, 62, o Dequinha. A família se tornou evangélica, e, desde então, ele deixou de se apresentar nos forrós para tocar sanfona nos cultos da pequena igreja erguida na comunidade.

Na família, contudo, é o bolso, não a religião, o fator decisivo para o voto. Josefa, que evita conversar sobre política com o pastor, critica a alta dos alimentos e afirma que votará no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Filha do casal, Naldira Maria da Cruz, 34, vai na mesma linha: “Vou votar no Lula, e seja o que Deus quiser. Já estamos morrendo mesmo”. O apoio a petistas é quase uma regra na cidade desde 2006. Há quatro anos, Fernando Haddad obteve 87% dos votos no segundo turno do pleito presidencial. No primeiro, o governador Rui Costa teve 92%.

Sizino Alves, 62, diz que votará nos nomes apoiados pelo prefeito que vota em Jerônimo Rodrigues (PT) ao governo e para deputado federal está fechado com Roberta Roma (PL), mulher de João Roma (PL) , no entanto, diz que só não seguirá o gestor municipal caso ele peça voto em Bolsonaro. O aposentado, que votará em Lula pela primeira vez, justifica a escolha devido à inflação que deixou “o diesel mais caro que a gasolina” e ao aumento do Auxílio Brasil próximo à eleição. “Aumentar só por três meses? Por que não deu logo um ano para trás?”

A percepção do reajuste do auxílio como medida eleitoreira é recorrente. Pesquisa Datafolha realizada em julho aponta que, para 61% dos eleitores, o pacote de benefícios tem como principal objetivo ganhar votos para Bolsonaro. Outros 56% consideram insuficiente o valor de R$ 600.