Ricos em emendas, com a mudança estrutural no sistema federativo brasileiro, deputados e senadores “dão as cartas”. Prefeitos que se aliam a parlamentares de Brasília conseguem obras para suas cidades sem passar por ministros ou autoridades do governo federal.
Com os novos presidentes, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, representando o novo tipo de parlamentar. Não se sabe exatamente o que pensam, mas são hábeis em navegar em uma configuração do Congresso regada a emendas. A eleição das mesas diretoras do Congresso, num grande acordo que envolveu do PT ao PL, para consagrar quase por unanimidade, coroa uma mudança estrutural no sistema federativo brasileiro. Atualmente, lideranças locais se aliam a parlamentares de Brasília para conseguirem obras para suas regiões sem passar por ministros ou autoridades do governo federal. Essa modificação já chegou em todo Brasil, aos mais distantes rincões, nos quais prefeitos e vereadores celebram, publicamente, suas ligações com um representante amigo no Legislativo sediado em Brasília. É a porta da sucesso.
Do ponto de vista da destinação do orçamento público vivemos uma democracia fragmentada. Em um governo aprisionado pelos gastos obrigatórios, aqueles recursos com certa liberdade para serem utilizados estão cada vez mais nas mãos de deputados de senadores. Eles que são procurados, em primeiro lugar, quando é preciso uma obra, uma ponte, um posto de saúde, mesmo uma escola, em alguma cidade ou zona rural do Brasil.
É uma administração mais fragmentada. O efeito colateral é a falta de recursos para as chamadas grandes obras estruturantes. Sem dinheiro, o governo precisa muitas vezes partir para concessões à iniciativa privada para que saiam do papel. O debate a ser feito é o seguinte: entre parlamentares ou autoridades de Brasília, quem é mais competente para destinar os recursos que sobram para tentar desenvolver o país? Levantamento feito pelo cientista político da UnB, Murilo Medeiros, mostra que a inversão das balanças do poder também se dá no âmbito Legislativo. No primeiro ano de seu primeiro mandato, o presidente Lula viu o Congresso aprovar 70% de propostas oriundas do Executivo e 30% do Parlamento. Hoje a ordem inverteu. O Planalto mal consegue ter a iniciativa um terço do que se aprova no Congresso. É o semipresidencialismo na prática, talvez, o que vivenciamos agora.
Essa lógica de tanta força para o Parlamento tem outros efeitos colaterais. Por exemplo, hoje boa parte dos deputados não tem mais necessidade de boa interlocução com o governo, com a imprensa, ou mesmo formadores de opinião. Possuem uma formidável quantia para distribuir, superior a R$ 50 milhões anuais, o que garante com folga sua sobrevivência política. O majoritário, chamado centrão, está rico. Sem se envolver em grandes polêmicas vê da arquibancada o trabalho de parlamentares que buscam se sobressair do ponto de vista das polêmicas e disputas que marcam a sociedade brasileira, caso de Nikolas Ferreira, de Minas Gerais, ou Guilherme Boulos, de São Paulo. Mas querem é distribuir suas emendas da maneira mais politicamente eficiente possível.
Os relativamente jovens Davi Alcolumbre e Hugo Motta, avessos aos holofotes, de poucos discursos e entrevistas, fazem parte desse novo tipo de parlamentar. Não se sabe exatamente o que pensam sobre as questões que afligem a sociedade. Mas são hábeis em navegar por essa nova configuração do Congresso, de ver a necessidade local de cada um dos seus pares, e disso extrair poder. As agruras do governo federal, sem dúvida, ficam em segundo plano. Em certo sentido, são até uma evolução do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (talvez o grande pai desse novo sistema federativo), que de tempos em tempos se posicionava com contundência. Agora a costura deve ser ainda mais para dentro.