A reação bolsonarista escancarou que a real motivação das críticas, foi a reação emocional e desproporcional da ala bolsonarista, que imediatamente acusou a ideia de ser uma retaliação política. Ora, se afirmam que há retaliação, é porque assumem que houve posse indevida.

A possibilidade da Seleção Brasileira estrear uma camisa vermelha na Copa do Mundo de 2026 causou um verdadeiro terremoto no campo político-ideológico do país — especialmente entre os setores bolsonaristas. O que deveria ser um gesto de resgate histórico e identidade cultural se tornou alvo de críticas por parte daqueles que, ironicamente, assumiram publicamente ter se apropriado da bandeira nacional e da tradicional camisa amarela como símbolos de suas convicções políticas. O que está em pauta, na verdade, vai muito além de estética ou tradição esportiva: trata-se de um debate sobre pertencimento, memória nacional e o uso indevido dos símbolos que deveriam unir — e não dividir — o povo brasileiro.

O vermelho do pau-brasil: raiz do nosso nome, da nossa história. É preciso lembrar que o nome “Brasil” não veio das matas verdes, nem das estrelas da bandeira. Veio do pau-brasil, árvore nativa de madeira avermelhada que, desde a chegada dos colonizadores portugueses, era considerada valiosíssima pelo corante vermelho extraído de sua seiva. A ideia de uma camisa vermelha, portanto, não é uma invenção ideológica nem uma afronta ao passado: é uma reverência à própria origem do nome e da identidade do país.

Uniformes comemorativos são comuns em todo o mundo. Essa proposta está longe de ser uma aberração isolada. Pelo mundo, diversas seleções adotam uniformes alternativos ou comemorativos em cores diferentes das oficiais. A Alemanha, por exemplo, já usou camisas pretas, verdes e até rubro-negras — inclusive durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. A França também adota regularmente camisas brancas ou vermelhas. Nações como Japão, Holanda, Inglaterra e até mesmo Argentina já se aventuraram fora de suas paletas tradicionais.

Logo, não há razão objetiva ou regulatória que impeça o Brasil de usar o vermelho em sua camisa, sobretudo quando há um fundamento histórico-cultural legítimo por trás da escolha. A cláusula da CBF que exige o uso das cores da bandeira, ainda que vigente, não é cláusula pétrea, pode e deve ser reformulada à luz do tempo e da necessidade de reconectar o futebol com sua função social e simbólica.

A reação bolsonarista: a verdade dita com todas as letras. O que escancarou a real motivação das críticas foi a reação emocional e desproporcional da ala bolsonarista, que imediatamente acusou a ideia de ser uma retaliação política. Ora, se há retaliação, é porque houve posse indevida. Ao afirmarem que o vermelho representa o PT e que a mudança seria uma provocação, os próprios bolsonaristas admitiram aquilo que muitos já denunciavam há anos: o sequestro da bandeira brasileira e da camisa canarinho como símbolos de uma ideologia política excludente.

A camisa amarela da seleção, que sempre simbolizou alegria, diversidade e paixão nacional, foi transformada por esse grupo em farda ideológica. Isso afastou milhões de brasileiros de usá-la com orgulho. Agora, o simples anúncio de uma possível camisa vermelha os tira do sério — porque desmonta a lógica do monopólio simbólico.

Um golaço do marketing, se confirmado. Caso tenha havido influência do marketing institucional ligado ao governo federal, como alguns especulam, trata-se de um movimento estratégico brilhante. Um símbolo que remete às origens do Brasil, adotado no maior palco do futebol mundial, tem poder suficiente para disputar — e talvez resgatar — o espaço simbólico perdido. Não com slogans políticos, mas com história, memória e representatividade.

Mais que uma camisa, o vermelho do pau-brasil pode simbolizar a reconciliação do povo brasileiro com seus símbolos, com sua história e consigo mesmo. E, acima de tudo, reafirmar que a Seleção representa 215 milhões de brasileiros — e não apenas os que vestem uma cor ou defendem um lado. A camisa da Seleção não tem dono. O Brasil também não.