Por unanimidade, o Tribunal de Contas da União aprovou o parecer do relator Augusto Nardes, que recomenda ao Congresso a rejeição das contas do governo relativas a 2014. Esse episódio, mais do que outro qualquer, evidencia o desastre político, tático e estratégico que também é o governo Dilma.
 
Não pensem que ela é apenas a presidente da recessão, da inflação e dos juros nos cornos da Lua. Em suma: não pensem que ela é só a encarnação do caos administrativo. Nunca antes na história “destepaiz” houve no poder figura tão desastrada.
 
Acreditem: quando ficou claro que Nardes faria um relatório recomendando a rejeição, o governo tinha ao menos três dos nove votos. Conseguiu perdê-los, tal foi a inabilidade, tal foi a burrice, tal foi a teimosia.
 
As coisas começaram mal quando o principal argumento da Advocacia Geral da União, diante do descalabro das contas, consistiu em sustentar que apenas fez o que outros fizeram antes. É um procedimento ruim de modos opostos e combinados: 1) se for verdade, erros de antes não justificam os de agora; 2) ao se dar tal resposta, cumpre, então, comparar. E foi o que tribunal fez. E se constatou que nunca houve nada igual.
 
As coisas continuaram erradas quando, num desastrado acordão, que passou por Renan Calheiros, presidente do Senado, o governo acreditou que o senador tinha bala na agulha para virar mais dois votos, quem sabe até três. Na mira de Renan, estariam os ministros Bruno Dantas e Vital do Rego. Observei, então, que, ao se explicitar aquela barganha, restaria aos ministros-alvos votar contra as pretensões do Palácio. Ou estariam desmoralizados.
 
 
As coisas assumiram colorações surrealistas quando o governo, por meio da Advocacia-Geral da União, se mobilizou para tirar Nardes da relatoria, movendo-se em duas frentes: apelando à Corregedoria do próprio TCU para afastar o relator, e ao Supremo, para impedir a sessão. Aí a coisa já assumia ares de sandice.
 
A primeira derrota de Dilma veio pelas mãos de Luiz Fux. O ministro do STF se recusou a dar uma liminar para suspender a sessão porque afirmou não ter visto motivos para isso. Não entendeu que Nardes antecipara voto, conforme acusava a AGU.
 
A segunda derrota se deu no tribunal, quando, por unanimidade, o recurso contra Nardes foi rejeitado. E a terceira diz respeito ao mérito propriamente: todos os ministros acompanharam o relator, cobrindo-o de elogios. Os votos se fizeram acompanhar de desagravos.
 
O relatório de Nardes, infelizmente para Dilma, foi técnico. O resultado do julgamento acaba sendo histórico porque se trata de recuperar dos escombros a Lei de Responsabilidade Fiscal.
 
Mais: o governo Dilma não perdeu apenas para a razão, a matemática, o bom senso, as leis. Perdeu também para a civilidade política. O que resta de PT tem de aprender que não se aceitam mais seus métodos — inclusive aqueles que consistem em selecionar alvos que são do interesse dos poderosos de turno.
 
 
Entre a derrota honrada e a vitória humilhante, o governo jogou para obter a segunda. E colheu a derrota com desonra.
 
Texto publicado originalmente às 20h55 desta quarta – Por Reinaldo Azevedo
 
 
O que pode acontecer após a rejeição das contas de Dilma pelo TCU
 
Após o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitar nesta terça-feira (7) as contas de 2014 do governo da presidente Dilma Rousseff, o relatório com essa recomendação será agora encaminhado ao Congresso, que tem a prerrogativa de fazer o julgamento das contas.
 
 
Uma reprovação das contas no Congresso pode levar até à abertura de um processo de impeachment da presidente. Partidos de oposição argumentam que a rejeição das contas configuraria crime de responsabilidade e daria base para a abertura do processo.
 
Por estar ligado ao Poder Legislativo e ser considerado um “braço auxiliar” do Congresso, o tribunal não tem o poder de reprovar as contas.
 
Mas todos os anos tem o dever de produzir um parecer em que avalia a atuação e o cumprimento de regras e leis pela presidente e sua equipe e enviá-lo para análise do Congresso.
 
É a segunda vez que o TCU recomenda a rejeição de contas do governo. A primeira foi em 1937, durante a ditadura de Getúlio Vargas. Na ocasião, o Congresso Nacional não seguiu a recomendação e aprovou as contas.
 
Entenda cada etapa da análise das contas no Congresso Nacional:
 
Ordem de votação no plenário
 
Antes de o parecer do TCU sobre as contas de 2014 ser julgado pelo Congresso, os parlamentares deverão terminar de votar os relatórios de anos e governos anteriores, já que há contas de presidentes anteriores pendentes de análise pelos parlamentares. Com isso, a pauta fica limpa para  o parlamento julgar as contas de 2014.
 
Relatório do TCU no Congresso
 
Após ser votado no TCU, o relatório será, primeiro, avaliado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso e, depois, pelos plenários da Câmara e do Senado – ou em sessão conjunta do Congresso Nacional, se houver acordo para isso. Os parlamentares podem acatar a recomendação do TCU e reprovar as contas ou votar pela aprovação.
 
Eventual rejeição no Congresso
 
 
Se as contas do governo forem rejeitadas nessas votações, a presidente Dilma Rousseff pode ser alvo de um processo de impeachment, caso fique configurado que ela cometeu crime de responsabilidade.
 
Aprovação no Congresso com ressalvas
 
Outro cenário possível é a aprovação com ressalvas. Esse tipo de resultado no Congresso pode ocorrer, por exemplo, caso os parlamentares optem por aprovar o balanço. Na prática, as ressalvas não implicam punições significativas. Elas indicam, apenas, que há problemas a serem corrigidos na gestão fiscal para o próximo ano. Esta tese é defendida pelo governo federal.
 
Na opinião do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Velloso, a tendência é de que os senadores e deputados sigam a recomendação do tribunal. “O TCU não tem decisão final. Eles emitem um parecer que deve ser, e é, considerado pelo Congresso. Seria uma leviandade o Congresso aprovar as contas caso o tribunal vote pela rejeição”, explicou o ministro aposentado.
 
O que são as 'pedaladas'
 
As chamadas “pedaladas fiscais”, um dos itens questionados pelo TCU, consistem no atraso dos repasses para instituições financeiras públicas do dinheiro de benefícios sociais e previdenciários, como Bolsa Família, seguro-desemprego e subsídios agrícolas. Esse tipo de atraso permite ao governo ter dinheiro em caixa por mais tempo, mas obriga instituições como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil a usar recursos próprios para honrar compromissos.
 
Para o TCU, a prática configura "empréstimo" ao governo, o que estaria violando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o processo no tribunal, as “pedaladas” somam R$ 40 bilhões. Para auditores do TCU, os atrasos nos repasses e a não contabilização das dívidas com os bancos públicos contribuíram para “maquiar as contas públicas”, inflando o chamado superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública).
Desde que ficaram constatadas as manobras das pedaladas, o governo adotou a estratégia de argumentar que os atrasos no repasse de recursos são regulares e que a prática não é nova, tendo sido adotada desde 2001, ano em que o país era governado por Fernando Henrique Cardoso.
 
Impeachment
 
Caso as contas de Dilma sejam rejeitadas pelo Congresso, há possibilidade de setores da oposição darem início a um processo de tentativa de impedimento da presidente, alegando crime de responsabilidade.
 
 
Apesar disso, a tese pode ser enfraquecida pelo fato de que a prática das “pedaladas” foi identificada no primeiro mandato de Dilma, e não no atual.
 
Para o ministro Carlos Velloso, o fato de Dilma ter sido reeleita pode fazer com que ela sofra um impedimento. “Mas essa tese não é unânime”, ressalvou. “A Constituição foi escrita quando não existia a reeleição. Depois veio a emenda que a possibilitou. Essa situação de reprovação nas contas no último ano do primeiro mandato ficou em aberto na legislação. Na reeleição, esta questão não está bem tratada”, explicou o ministro.
Análise 'política'
Desafeto declarado do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou, há alguns meses, que a análise das contas públicas, em especial das “pedaladas fiscais”, será “política”, e não técnica, como defende o governo. Cunha ressaltou que a decisão “técnica” caberá aos ministros do TCU, e que a decisão final sobre a aprovação ou não das contas do governo caberá ao Legislativo, que fará uma análise política.
 
Papel do TCU
 
A Constituição de 1988 conferiu ao TCU o papel de auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo. Entre as competências constitucionais estão apreciar as contas anuais do presidente da República; julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos; realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional; fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito Federal e a municípios.
 
Também cabe ao tribunal determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos; emitir pronunciamento conclusivo, por solicitação da Comissão Mista Permanente de Senadores e Deputados, sobre despesas realizadas sem autorização; e apurar denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato sobre irregularidades ou ilegalidades na aplicação de recursos federais.