Preconceito ainda afasta homens do diagnóstico precoce. Situação no Brasil é agravada quando o paciente demora para buscar atendimento.

Quando entrou no consultório do urologista pela primeira vez o garçom Rodrigo* tinha 49 anos e estava desconfortável. O incômodo não era apenas no órgão genital. Falar sobre o assunto era um problema e por causa dessa vergonha ele quase foi parar na mesa de cirurgia. Entre 2019 e 2020, houve 6.174 diagnósticos de câncer de pênis no Brasil e 1.092 pacientes tiveram o órgão amputado. “Eu não tinha o hábito de ir ao médico para fazer exames regulares. Primeiro, porque não tenho plano de saúde, e segundo, porque nunca dei muita importância para isso. Procurei o médico porque estava com alguns sintomas. Era uma DST, e o médico disse que poderia ter evoluído para um câncer se eu não tivesse buscado ajuda”, contou.

Ele sente vergonha do episódio e por isso pediu para não ser identificado, mas os especialistas afirmam que a resistência dos homens em procurar atendimento e o hábito de negligenciar a saúde ainda é um problema em diversas camadas sociais. Nesta segunda-feira (1º) começa o Novembro Azul, período em que as autoridades, órgãos e instituições alertam para o perigo desse tipo de comportamento. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-BA) e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Lucas Batista, o câncer de pênis é menos frequente que outros tipos de enfermidade, mas costuma ser mais agressivo. A falta de higiene e o vírus HPV (papilomavírus humano), Doença Sexualmente Transmissível, são os principais fatores que podem causar esse problema.

“É o tipo de câncer mais frequente em pacientes com baixas condições socioeconômicas, que não têm acesso a atendimento médico e não tem o hábito de expor a glande para lavar o pênis. Pacientes com fimose, por exemplo, que tem dificuldade para expor a glande, muitas vezes, só descobre depois dos 40 anos, quando vai ao urologista”, disse. A situação foi agravada pela pandemia. O especialista contou que os consultórios registraram queda de cerca de 70% no número de pacientes na Bahia. A SBU informou que entre 2019 e 2020, houve 6 mil diagnósticos de câncer de pênis no Brasil e 1 mil pacientes foram amputados. O tratamento pode exigir a remoção de parte do membro ou até a retirada total.

Casos não tratados podem resultar em morte. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) afirmou que 458 homens morreram por câncer de pênis no Brasil em 2019 e que as regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas. O oncologista da Clínica AMO e especialista em tumores do aparelho urinário, Augusto Mota, disse que o autoexame é fundamental.

Próstata

O câncer de pênis preocupa, mas o de próstata ainda é o que mais acomete homens em todo o país. Segundo dados do Inca, ele corresponde a 29,2% dos tumores incidentes no sexo masculino e matou quase 16 mil pessoas no ano passado. Em 2021, serão 65 mil novos casos, sendo 6 mil na Bahia e 1 mil em Salvador. É uma estimativa já que muitos pacientes só procuram o especialista quando a doença já está em estágio avançado. “O paciente que vai até o consultório faz os exames e o tratamento. Não há resistência. Ainda existe um preconceito com o exame de toque, mas quando ele entende a importância, faz o exame. A resistência que existe é em procurar o médico. Ele fica protelando por conta de trabalho e dando outras desculpas”, disse.

O câncer de próstata é uma doença silenciosa que quando manifesta sintomas, como dor ao urinar ou sangramento, geralmente está em estágio mais avançado. Por isso, os especialistas afirmam que não se deve esperar. A recomendação é começar a ir ao urologista a partir dos 45 anos. Quem tem histórico de câncer na família, mesmo aqueles não diretamente relacionados com a próstata, deve redobrar os cuidados. Novembro é o mês de conscientização do câncer de próstata, glândula que faz parte do sistema reprodutor masculino e ajuda na formação do volume do sêmen. A necessidade de todos os anos chamar atenção para a doença é explicada pelos altos números: cerca de 65 mil brasileiros são atingidos pela enfermidade por ano, que é responsável por 13,6 mortes para cada 100 mil homens, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Embora esses números sejam altos, as taxas de incidência e mortalidade não são suficientes para convencer alguns homens a procurar um acompanhamento médico e realizar o exame de sangue e o toque retal, combinação fundamental para o diagnóstico da doença. De acordo com o urologista George Deprá Ferrari, o preconceito, baseado no machismo, ainda afasta os brasileiros dos cuidados com a saúde. “Estamos em uma sociedade patriarcal, na qual os valores masculinos são exaltados e os femininos são diminuídos. O homem não gosta de mostrar vulnerabilidade, principalmente em uma área tão delicada, que são os órgãos genitais. Ainda mais quando a gente faz o toque no ânus, local em que há uma questão simbólica de passividade, da homossexualidade. O homem tem dificuldade de procurar o médico por conta do machismo”, ressalta o urologista.

O urologista chama atenção também para uma mudança comportamental na sociedade: “Estamos vendo o que o perfil dos pacientes está mudando ao longo dos anos. Os homens estão podendo mostrar mais sua vulnerabilidade, conseguindo procurar mais o médico. Se a gente for ver bem, isso tem nome: masculinidade toxica, que é o medo de demonstrar suas fraquezas e isso resulta em dados como homens vivendo menos que as mulheres, cometendo mais suicido e outros problemas de saúde”, diz George Deprá Ferrari.

*Extraído de reportagens especiais de Gil Santos e Kirk Moreno: Jornal Correio 24Horas