Começou a valer desde do dia 3 de janeiro de 2019, a Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869), que entrou em vigor e diversos servidores públicos e autoridades tiveram que mudar alguns hábitos como: registrar e compartilhar a identidade e imagens de suspeitos. O presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc), Eustácio Lopes, interpreta a mudança como uma “mordaça” na polícia.
“A categoria considera uma grande perda de informação não poder divulgar imagem de suspeito para conseguir junto a sociedade identificar, localizar, descobrir provas, testemunhas. Agora isso tudo está vedado, então é uma grande perda, uma mordaça desse excesso da lei”, disse.
Ainda conforme o presidente do Sindpoc, a medida, que tornou mais cautelosa a divulgação de qualquer cidadão suspeito de ter cometido algum crime, trouxe como consequência o engessamento da polícia em suas atuações. Além disso, Eustácio Lopes defendeu que para equilibrar os “danos” da lei de Abuso de Autoridade, deve ser feito um investimento na Polícia Civil tanto no efetivo, quanto nas ferramentas utilizadas na investigação. “A polícia tem condição de assegurar essas conquistas sociais, mas precisa de investimento”
No entanto, para o advogado criminalista, Sérgio Habib, não há interferências prejudiciais na investigação do crime, por causa da lei. “O que a lei está prevendo é que essa exposição tem que ser mais criteriosa, o juiz vai decidir quando essa imagem vai poder ser exposta, divulgada, ou até o preso ou a própria defesa dele vai poder controlar isso. Não é que vai ser proibido a entrevista do preso, a declaração, o que acontece é que a imagem dele que vai ser controlada pelo Estado, a própria legislação prevê isso. Se houver autorização, não tem problema, o que não pode é tirar uma imagem sem autorização do preso, da defesa e sem autorização judicial”.
A lei 13.869 entende que ao serem acusados, os presos ainda passam pelo processo judicial, no qual apenas no julgamento é condenado ou absolvido. Portanto, quando há o compartilhamento antes da decisão no tribunal, isso pode ferir o princípio da não culpabilidade do réu, explicou Sérgio Habib.
“Muitas vezes a pessoa divulga a imagem do preso e depois ele é absolvido e aí como é que fica? O estrago está feito, então isso tem que ser feito com mais parcimônia, mais critério, nesse ponto aí a lei agiu certamente”.
Como ficou a atuação dos advogados?
Atrelado aos direitos do réu, os advogados também foram beneficiados com a lei de Abuso de Autoridade, segundo Habib. Agora, a defesa tem acesso ao inquérito policial com facilidade, o que possibilita uma atuação mais personalizada.
No outro lado, o policial Eustácio Lopes diz acreditar que isso pode ser danoso à investigação. “Há investigações importantes que requer sigilo para que o acusado não destrua provas, hoje o advogado tem acesso aos autos, então ele, claro orienta o cliente, e pode esconder provas”.
Entretanto, Habib explicou que não há possiblidade da defesa interferir nas investigações com acesso ao inquérito. “Essa lei tem que ser interpretada junto com o pacote anticrime e nela foi criado o juízo das garantias que agora tem no processo criminal, ou seja, um juiz só para fazer essas partes do inquérito, ele não vai poder participar nenhuma outra parte do processo. Então o advogado não vai interferir na feitura da prova, ele vai ter acesso para fazer melhor a defesa técnica do cliente e isso é um direito do acusado”, argumentou.
Os juízes e a lei 13.869
Um dos pontos ditos como “negativos”, da lei de Abuso de Autoridade, segundo o advogado criminalista, é em relação aos juízes. Habib elucidou que será necessário um cuidado maior no julgamento, pois a lei vai penalizar o magistrado que condenar por abuso, excesso, ou baseado em opiniões pessoais.
No entanto, de acordo com o advogado, há dificuldade em discernir se o trabalho do juiz foi fundamentado no autos do processo ou se é uma decisão pessoal. “É difícil separar se o juiz decretou a prisão por abuso, excesso ou se ele decretou realmente convicto. Eu acho que isso vai ter alguma decisão dos tribunais superiores do STJ ou do STF regulamentando essa parte da lei, para distinguir bem nitidamente o que é uma interpretação jurídica daquilo que o juiz acha que deva ser ou do que é um arbítrio”.
O que diz a lei 13.869
A lei de Abuso de Autoridade proíbe a divulgação de imagem ou exibição de preso:
- Constranger preso a expor corpo ou submetê-lo à situação vexatória ou constrangimento público e divulgar imagens ou nomes de suspeitos atribuindo culpa por um crime;
- O policial não usar, por exemplo, a tarjeta de identificação na farda, não dizer ou mentir o nome;
- Manter, na mesma cela, confinamento ou no carro no deslocamento, presos de sexos diferentes e também crianças e adolescentes até 12 anos;
- Determinar ou manter prisão ilegal ou deixar de relaxar prisão quando devida; entrar em uma casa ou local sem autorização, sem informar o dono, ou sem autorização judicial;
- Cumprir mandado de prisão à noite ou entrar em local privado à noite, entre 21h e 5h;
- Dar início a inquérito sem indício de crime, divulgar trechos da investigação ou gravações com a imagem do preso falando ou prestando depoimento;
- Continuar questionamentos após preso dizer que quer ficar calado, levar sob condução coercitiva para depoimento sem antes intimar para comparecimento, pressionar ou ameaçar a depor ou obrigar a fazer prova contra si mesmo;
- Juiz decretar a indisponibilidade de valores em quantia que extrapole exacerbadamente a dívida.
Qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, podem ser penalizados, de acordo com o artigo 2º da lei. Confira:
- Servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
- Membros do Poder Legislativo;
- Membros do Poder Executivo;
- Membros do Poder Judiciário;
- Membros do Ministério Público;
- Membros dos tribunais ou conselhos de contas.