O prefeito ACM Neto (DEM) desistiu de disputar o governo do estado. Ouviu, segundo o próprio, o coração. “Deixa o coração mandar” foi recado de Mário Kertész em 1985, mas o demista parafraseou o jingle consagrado durante o evento. “Meu coração me impede de deixar a prefeitura”, declarou com olhos marejados na antiga Cidade de Plástico em Periperi. Contudo, a decisão de não entrar no embate com Rui Costa tem outras premissas e carrega consequências ainda não estimadas quanto à extensão, sobretudo eleitoralmente para os aliados.
Sobre as premissas: objetivamente, as pesquisas e análise de cenário eleitoral não suscitavam confiança ou estímulo. Publicamente, aliados do democrata falavam em pesquisas favoráveis a uma candidatura. Havia uma percepção de que os eleitores avaliam a gestão de Neto como positiva à frente da prefeitura, mas também a de Rui Costa como governador. A possiblidade de derrota na capital baiana se tornou um risco e isso, como se sabe, não pode ser minimizado.
Na conjuntura política no interior, ainda não há como mensurar o impacto da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao que tudo indica, a narrativa continuará polarizada. A determinação prematura e questionável de prisão do petista, expedida pelo juiz Sérgio Moro e executada pela Polícia Federal, suscita debates jurídicos e entrega argumento aos aliados de Lula. Está consolidada a opinião de que houve excesso.
Ainda neste contexto, a eleição de diversos aliados em cidades importantes como Feira de Santana, Vitória da Conquista e Camaçari não entregaram, dois anos após o início das administrações, o resultado positivo esperado. Ao contrário, as trapalhadas dos prefeitos e secretariados que usaram (e abusaram) do ‘case’ Neto em Salvador trabalharam contra o demista.
O desgaste do PT com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi arrefecendo diante da vitrine Michel Temer. O presidente, do MDB, se envolveu numa série de denúncias e a avaliação da gestão é péssima, ainda que se insista em noticiar que houve melhoras do ponto de vista econômico. Do ponto de vista moral, está na lama.
No cenário político-partidário, Neto contava com o MDB na sua coligação, mas para isso precisa tirar Lúcio Vieira Lima da legenda. O tempo de televisão, fundo eleitoral e partidário da legenda eram, na análise do prefeito, imprescindíveis para dar competitividade à sua candidatura. Não conseguiu. E tentou até a última quarta (4).
Neste caso não se pode ignorar o erro estratégico do principal aliado de Neto: o vice-prefeito Bruno Reis. Tendo ele acertado na maioria das articulações que promoveu e costurou, acreditou que havia se cacifado para ‘dar um balão’ nos Vieira Lima e assumir a sigla na Bahia. Não logrou êxito e ainda criou um problema de interlocução. Fechou as portas.
Sem MDB e seus quase dois minutos de inserção e um minuto no horário eleitoral Neto tentou levar o PR e o PP. Os dois partidos juntos equacionavam a perda do MDB. Mas o PP logo de cara foi descartado. Já o PR negociou, deu a palavra através do presidente estadual José Carlos Araújo, mas fio de bigode é coisa difícil de cumprir, principalmente, quando se tem uma legenda com a direção dividida.
Rui Costa convocou os republicanos (que ironia) para uma conversa particular e ficou extensas horas negociando com o trio composto por José Rocha, Jonga Bacelar e Araújo. Enquanto essa reunião acontecia na noite de quinta-feira (5), outra era realizada na casa dos pais de ACM Neto. Esta última definitiva e restrita à família e amigos muito próximos.
Aos 39 anos, com mais dois anos de mandato como prefeito, tendo assumido a presidência nacional de um partido que tende a crescer, com boa possiblidade de virar ministro após o término da gestão e em um cenário político desfavorável não é inexplicável a desistência.
Resta saber como Neto conseguirá manter e acalmar os aliados que já encaram esta negativa como atitude de covardia. O que se sabe até o momento é que não soou nada bem. As contas não estão fechando e cada um vai pensar na própria sobrevivência eleitoral. Mágoas, raivas e traições são esperadas nos próximos dias e eventuais derrotas serão depositadas na conta do líder político que escolheu não ter ninguém à sombra e paga o preço pelo caminho que resolveu trilhar.