Os empresários Alisson e Érica Almeida ciaram uma prateleira de doações no mercado deles. Basta chegar e pegar (Foto: Acervo Pessoal)
As cenas eram comuns no supermercado Canaã, na Rua São Francisco, em Luís Eduardo Magalhães, no Extremo-Oeste do estado. Clientes que faziam suas compras com dinheiro contado ou que sequer tinham dinheiro. Outros que deixavam de levar alguma mercadoria, mesmo que precisassem, porque não cabia mais no orçamento. Do outro lado do balcão, o mercado que, quando não vendia todos os produtos, precisava se desfazer deles – mesmo que ainda estivessem bons para consumo.
No meio de tudo isso, estava o casal de proprietários do estabelecimento, os empresários Alisson, 37 anos, e Érica Magalhães, 34. “Nós somos evangélicos e a gente tem um princípio de que você só consegue desfazer o mal com o bem”, conta Alisson, explicando de onde veio a inspiração para uma atitude que chamou atenção de moradores da cidade e de muita gente nas redes sociais.
O casal criou uma prateleira de doações. Na prateleira, reabastecida diariamente – e, na verdade, mais de uma vez por dia –, ficam produtos para pessoas carentes e necessitados. Alimentos para quem tem fome.
Ao lado da prateleira, fica uma placa com os dizeres: “Você está com fome? Pode pegar! Mas pegue o necessário para você, pois tem mais pessoas com fome”.
O casal doava produtos desde que abriram o primeiro mercado, há três anos, mas colocaram a placa há dois meses (Foto: Acervo pessoal)
A atitude gerou comentários. Nos últimos dias, um cliente admirado tirou uma foto da prateleira e enviou para a esposa. Ela, por sua vez, ficou tão comovida que postou nas redes sociais, de forma espontânea. Alisson e Érica ficaram surpresos diante da repercussão a uma atitude que tinham desde a fundação do estabelecimento.
“Nosso propósito sempre foi ajudar as pessoas, para que elas chegassem e nunca saíssem de mãos vazias. A gente sempre separava algo para doar, algo que tivesse qualidade, para essas pessoas”, explica o empresário.
O hábito começou há três anos, quando foi aberto o primeiro dos dois mercados do casal, no bairro do Jardim das Acácias. Como o outro era mais ‘sacolão’, frutas, legumes e verduras eram os mais comuns, até mesmo para evitar que os produtos ainda bons fossem para o lixo.
Já em novembro do ano passado, abriram o outro mercado – o da Rua São Francisco. Só que eles notavam que muita gente tinha dificuldade em perguntar sobre as doações. Tinham vergonha de entrar, de pedir. Então, há dois meses, tiveram a ideia de colocar a placa na prateleira.
“Pensamos em deixar lá porque as pessoas não precisariam pedir, perguntar. Elas só vão ler, pegar e levar”, diz Alisson.
Com a sacolinha
Agora, as pessoas costumam já vir com uma sacolinha no bolso, chegam no mercado e pegam o que querem. As opções incluem desde pão, frutas e verduras até bolachas, biscoitos, feijão, arroz e cuscuz. Entre as respostas à atitude, desde elogios até agradecimentos – de moradores de rua até pessoas que estão passando por alguma dificuldade.
Entre os alimentos, frutas, legumes e verduras (Foto: Acervo pessoal)
O casal, que chegou a Luís Eduardo Magalhães há quatro anos, explica que a imagem da cidade de que é um polo gerador de empregos atrai muitas pessoas de fora. O problema é que nem sempre os moradores têm qualificação para as opções de trabalho disponíveis.
“Às vezes, leva um tempo para a pessoa conseguir um emprego. Muitas pessoas deixam tudo para trás e acabam tendo sorte, mas outras, não. Nós chegamos já com alguma coisa para trabalhar. É uma cidade que está crescendo muito e tem um PIB (Produto Interno Bruno) altíssimo, mas é preciso ter algum relacionamento”, diz, referindo-se a conhecer os empregadores.
De fato, com população estimada em 83 mil moradores, Luís Eduardo Magalhães tem o sexto maior PIB per capita do estado, de acordo com o IBGE – é de mais de R$ 55 mil por habitante. O município responde pela décima maior economia do estado da Bahia e produz cerca de 60% dos grãos do estado.
Na época que chegaram à cidade, Alisson e Érica trabalhavam com representação comercial em uma multinacional. Ela, vinda do Sul da Bahia; ele, de Minas Gerais. Pouco depois, mudaram de área e conseguiram abrir o primeiro mercado.
“Eu e minha família fomos muito abençoados em Luís Eduardo. Chegamos com quase nada, só com o sonho. Hoje, o que a gente tem foi o Senhor que deu e queremos retribuir. Se você faz o bem, o retorno é certo”.
Segundo Alisson, a prateleira não começou com nenhum objetivo além de oferecer as doações. Hoje, porém, o casal espera servir de exemplo para outros comerciantes da cidade, para que mais iniciativas assim surjam. “Isso não vai resolver o problema do mundo, mas cada um fazendo um pouquinho, começa a melhorar”.