Nestes 100 dias do governo Bolsonaro, o que se pode afirmar é que, na realidade, isto não é um governo. Ao longo da campanha eleitoral, Bolsonaro recorreu a duas narrativas: o apelo social por ordem e segurança, e o antipetismo – inclusive unindo-as ao atribuir o caos econômico e social do País aos escândalos de corrupção do PT. Para transmitir suas narrativas, Bolsonaro usou as redes sociais intensamente, proferindo nelas inúmeras propostas de campanha e proliferando por elas fake news. Seus discursos e lives eram moldados pelos likes que seus posts recebiam e, assim, agraciavam a demanda popular, mas não se materializavam, de fato, em um programa coeso de governo.
Desta forma, bandeiras ao vento ganharam a eleição. Eleito, o problema passou a ser, então, como implementar um conjunto disperso de promessas ao mesmo tempo em que se necessitavam construir base parlamentar e manter o apoio popular vindo da eleição. Se isso já é difícil com um programa de governo, imagine-se quando o projeto eleito não era, na realidade, um projeto. Além disso, Bolsonaro em muito foi eleito pelo antipetismo, ou seja, não por um apoio dos eleitores a ele, mas por exclusão ao PT. Assim, na realidade, ele não tinha propostas bem como seu eleitor não era seu apoiador.
O resultado para o Brasil tem sido desastroso: tem-se um governo que não é governo, pautas de Bolsonaro que não são relevantes ao Brasil e a sensação de que a crise política, nesta altura já adulta, permanece.
Mas, há algo ainda mais sugestivo. A realidade da política é um caos de demandas e interesses de diversas naturezas. Neste contexto, é papel do presidente, de seus ministros e de sua base parlamentar costurar o meio-termo, sobretudo com o parlamento, que é a representação dos inúmeros interesses difusos.
Porém, esta necessidade real de costurar os inúmeros interesses sociais parece estar amedrontando Bolsonaro. Suas (i) agressividade na fala (por exemplo, contra a esquerda), (ii) inúmeras fugas (terceirizar ao Congresso o debate de propostas difíceis, como a reforma da Previdência ou viajar ao exterior quando deveria estar montando base parlamentar), (iii) ansiosas falas impensadas desditas posteriormente (por exemplo, sobre os imigrantes), e (iv) necessidade de se vincular a alguém que compreende como forte, como militares ou até mesmo Donald Trump, sugerem ansiedade e insegurança do presidente em lidar com a realidade – que é, claro, bem mais complexa do que na corrida eleitoral, quando promessas on demand e fake news foram as narrativas de Bolsonaro.
Mas, evidência maior da insegurança do presidente diante da função em que ele se meteu sem estar preparado é a impressão de que ele não confia em ninguém fora de seu núcleo familiar. É fruto de seu medo frente à realidade de sua função ante o irrealismo do que ele antes assumia aos eleitores para chegar à presidência. Porém, os filhos de Bolsonaro não são governo e nem base parlamentar e, assim, a cada refúgio do infirme presidente na segurança familiar, ele se distancia daquilo para que foi realmente eleito: governar.
Cem dias de governo são simbólicos por envolverem o momento da melhor relação entre o presidente eleito e seus eleitores. Contando com o apoio popular decorrente da eleição, e também com a distância em relação à reeleição, o governo recém-empossado pode encaminhar medidas mais difíceis e impopulares. Contudo, o governo Bolsonaro não é, realmente, um governo.
Não há espaço vazio na política e por isso Mourão e o Congresso já ocupam a lacuna deixada pelo presidente. Como a realidade de se governar é bem diferente daquela da eleição, a população reconhece o desgoverno e Bolsonaro tem perdido popularidade rapidamente – mantêm-se fiéis apenas os eleitores que acreditam nas suposições irrealistas do presidente, por exemplo, a de que o Brasil vive uma espécie de cubanização ou venezualização. Faz pouco tempo, uma impopular Dilma Rousseff, que destruiu sua base parlamentar nos primeiros cem dias de 2015, perdeu espaço para Michel Temer e para o Congresso. Lembre-se, a realidade do impeachment não foi fake news.