Muitos jovens podem não saber, mas na década de 70 a Globo lançou um segmento destinado só à ficção profunda, chamado Caso Especial: era quase sempre uma única história, que não raro enveredava pelo sobrenatural, pelo místico,  quando não para crimes e psicopatas tenebrosos. Era difícil dormir depois de alguns "casos especiais" da Globo.
 
No caso das novelas, Pantanal, em 1990, na TV Manchete, é definitivamente um marco no país. A Globo já havia investido pesado em regionalização de suas novelas, como O Bem Amado, Saramandaia e tantas outras.
 
Mas, com Pantanal, podemos dizer que nasceu uma nova linguagem e estética, que dava menos ênfase à linguagem e mais à fotografia. Não por acaso quem trouxe essa linguagem dita cinematográfica e regional para a televisão foi justamente Luiz Fernando Carvalho, hoje com as rédeas de Velho Chico nas mãos.
 
 
Críticas após mudança
 
Velho Chico até começou bem na opinião do telespectador, mas, assim que mudou para a segunda fase, saindo Rodrigo Santoro e entrando Antonio Fagundes na pele do coronel, as críticas começaram a grassar. Em tudo: atuações, figurinos, tramas. Até a peruca usada por Fagundes virou tema de ardorosas discussões na internet.
 
 
Ainda em abril, o colunista Carlos Britto, do portal Ne10, abriu a discussão publicando carta  de uma leitora revoltada com a caracterização que a novela da Globo vinha fazendo do povo nordestino em geral: "(absurdo) a Globo passar essa imagem dos nordestinos como povo sem educação, sem classe, sem higiene e analfabeto"; "Agora sei porque o pessoal do Sul e Sudeste têm tanto preconceito contra nós, nordestinos… Nos acham sujos e mortos de fome".
 
A leitora pode estar sensível demais a uma simples ficção, mas não deixa de ter certa razão. E as críticas não param apenas na caracterização de uma região, mas também nas incoerências da história, que chegam a confundir o telespectador menos atento: afinal, Velho Chico é ou não é novela de época? Em que ano ela se passa? Por que aparecerem objetos dos anos 90, como computadores ultrapassados e, ao mesmo, tempo, celulares e TVs de última geração? E o que dizer do figurino quase surreal de alguns personagens sempre sujos e/ou vestidos com trapos?
 
Óbvio que muitos nordestinos relevam essas incoerências e exageros, e defendem a novela justamente por ser ficção. E, como tal, tudo é permitido. Mas esses também são rapidamente rebatidos pela imensa massa de inconformados: "E por ser ficção, tem que deixar nosso povo feio e pobre?! Já não chega o preconceito que os nordestinos sofrem?"
 
Em termos de audiência, Velho Chico está na casa dos 30 pontos em São Paulo, um pouco mais em Salvador. Não são números péssimos, mas deve terminar como a terceira menor audiência da faixa das 21h30 em todos os tempos na Globo.
 
No sistema de comentários do portal UOL a novela também vem apanhando a cada capítulo. Num levantamento informal, a partir de reportagens publicadas, noto que para cada 10 críticas há apenas um elogio à trama escrita por Benedito Ruy Barbosa.
 
"Tudo bem que é uma cidade do interior, mas aquelas roupas dos anos 70 ninguém merece, né?"; "Novela chata, atores chatos, diálogos intermináveis"; "Novela muito confusa, personagens inverossímeis ou desagradáveis, falso realismo."
 
Limites para a ficção
 
Boa parte dessas críticas mostra, antes de mais nada, que as emissoras precisam começar a se preocupar cada vez mais com a "regionalização" que transmitem; e também que muitos telespectadores não aceitam mais que nem mesmo a ficção subverta o que eles consideram a realidade. Ou seja, para estes ficção também tem limite.
 
Imagine se a Globo fizesse uma novela em que todos os personagens, cariocas, não trabalhassem, fossem adeptos do jeitinho brasileiro e passassem o dia todo na praia. Vocês acham que isso não causaria nenhuma reação carioca?