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Após dez anos da morte de ACM, carlismo se mantém vivo com 'nova arrumação política'
Foto: Divulgação/ DEM
 
A perpetuação do carlismo foi profetizada por Antônio Carlos Magalhães (ACM), então senador da República, no dia em que o ex-governador Jaques Wagner (PT) venceu Paulo Souto (PFL), membro do “pós-carlismo”. "Vocês verão a volta triunfal do carlismo na Bahia. O carlismo é uma legenda que não se apaga, queiram ou não os cronistas políticos", bradou o senador Antônio Carlos Magalhães em 2006, após ter perdido a hegemonia de quase vinte anos no governo da Bahia.  
 
O termo “carlismo” é utilizado para designar o grupo formado em torno de ACM. De acordo com o cientista político Paulo Fábio Dantas, o carlismo teve três períodos. Uma primeira fase seria centrada na liderança de ACM, apoiada no clientelismo e no controle dos meios de comunicação. O termo se expande e torna-se uma expressão para o grupo político ligado a ACM e, uma terceira concepção do termo seria o carlismo como corrente política, um meio de agir na política, com modernização econômica e conservadorismo. 
 
Após dez anos de sua morte, completados nesta quinta-feira (20), a imagem e simbolismo de ACM ainda são perpetuados em todo o Estado, seja politicamente, ou mesmo através de símbolos, como através do uso de nomes da família Magalhães em avenidas, cidades, escolas, praças, viadutos, maternidade e aeroporto, para ficar em alguns exemplos. Em 2012, antes da eleição que elegeu o atual prefeito de Salvador, ACM Neto, a imprensa nacional já posicionava Neto como “herdeiro do carlismo”.
 
O prefeito, no entanto, afirma repudiar o tom de “dinastia” que é dado ao seu mandado e frequentemente evocado por membros da oposição. “Eu sempre tive muita cautela em evitar personalismos. Se eu não tivesse vocação, dom e não tivesse, acima de tudo, muita vontade de ingressar na vida pública, eu não teria nem entrado e nem me mantido nela e, sobretudo, construído vitórias após o falecimento dele”, disse Neto. 
 
Mesmo com a pontuação, o herdeiro político do ex-senador afirma que o carlismo resiste após dez anos da morte de seu avô. “Nós conseguimos resistir, nos mantivemos de pé com coerência, com respeito à nossa história e participamos da construção de um novo desenho, de uma nova arrumação na política”, disse Neto, ressaltando que o “carlismo” personificado na figura de ACM “não existe mais”. “Ainda existem não só pessoas, mas também valores, visões e compromissos com a Bahia da época em que ACM militava na política e era o líder principal do nosso grupo”, explica. O prefeito atribui ao carlismo o crescimento da Bahia dentro do país. “Sem dúvida o 'carlismo' foi o movimento político que talvez tenha marcado de maneira mais intensa a política da Bahia, sobretudo se nós olharmos os últimos 50 anos. [O Estado] ganhou competitividade no cenário nacional, se tornando um dos estados mais respeitados da nação”, atesta. O “fim” do carlismo centrado na imagem de ACM é apontado por historiadores e cientistas políticos como tendo sido concretizado na derrota de Paulo Souto para Jaques Wagner. A influência nacional do PT e da ascensão de Lula contribui para a derrota de Souto na Bahia. 
 
Antônio Carlos Magalhães | Foto: Geraldo Magela / Agência Senado
 
De acordo com o jornal Estadão, Lula teria afirmado no dia em que Jaques Wagner se tornou governador da Bahia que teria tornado Souto – e o carlismo – em um hamster. "Eu fui à Bahia e transformei o leão no hamster, e você derrotou o hamster no dia 1º de outubro". O Bahia Notícias entrou em contato com a assessoria do atual secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Jaques Wagner, para ouvi-lo a respeito da vitória em 2006 contra o grupo político de ACM, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
 
De acordo com Neto, a “morte política” do carlismo chegou a ser decretada. “Eu disse logo em seguida ao falecimento de meu avô, há 10 anos, que o ‘carlismo” não se manteria como se constituiu, afinal de contas a liderança de ACM personificava muitos sentimentos. Eu disse que, a partir dali, haveria mudanças, desenhos e redesenhos no cenário político local. Então, de certa forma, eu consegui antever o que ocorreu depois”, disse Neto. 
 
O professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Paulo Fábio Dantas Neto, especialista em elites políticas regionais, ressalta que o "carlismo" – como forma de realizar a política – está presente tanto na base do governo, como na oposição. "Os quadros ainda atuantes do extinto grupo carlista estão hoje distribuídos pelos dois campos adversários na política estadual", ressalta Dantas que não descarta a possível aparição de um político autocrático e pragmático, assim como ele classifica ACM. "Não haverá um segundo ACM, assim como não haverá um segundo Lula. Mesmo surgindo um personagem com características parecidas, não creio que poderá exercer o poder do modo como ele exerceu por conta do estilo pessoal de ACM, que não pode ser reproduzido, e porque os tempos são outros", opina. 
 
Para o professor e pesquisador, a política tende a ser ocupada por quadros mais institucionais e permeáveis a negociações internas. "O lugar de lideranças fortemente personalistas passou. Cada vez mais partidos e grupos organizados tendem a comandar mais do que pessoas", afirmou. O declínio do carlismo em torno da imagem de ACM teve como sucessor uma quase hegemonia do PT na Bahia, para Dantas. "Wagner caminhou na direção de construir, a partir do interior, um arco de alianças tão heterogêneo que, na prática, ameaçava instalar uma hegemonia comandada pelo PT na Bahia equivalente à que o carlismo tivera nos anos 90", declarou. 
 
Por conta das diversas crises protagonizadas pelo partido, no entanto, o processo acaba sendo cortado a partir de 2013 e sendo confirmado em 2016 com a derrota eleitoral do PT. "No momento voltamos à bipolaridade, mas isso traz pouca luz sobre o futuro imediato. A situação nacional deixou e ainda deixa em suspenso a definição sobre que formato de competição e sobre que dinâmica política a Bahia passará a ter a partir de 2018", analisou. O professor, no entanto, não vê ACM Neto como um replicador e perpetuador do carlismo. “Claro que o prefeito ACM Neto aciona, aqui e ali, o lado positivo que pode haver na memória controversa do seu avô. Mas o faz de modo pontual e nada determinante da sua estratégia política”, disse. Para Dantas, o prefeito recebe apoio do eleitorado que se opõe ao PT – de direita, centro e até esquerda. “Trocar o que hoje já possui e o horizonte que tem à sua frente por um simples retrovisor é algo que o prefeito ACM Neto só faria se fosse um estúpido em termos políticos, o que evidentemente não é o caso”, opinou.