O padrasto da jovem Eva Luana da Silva, Thiago Oliveira Alves, 37 anos, foi indiciado pelos crimes de estupro de vulnerável, tortura e violência contra a mulher. A história da estudante de Direito de 21 anos, moradora de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), chocou o Brasil na última terça-feira (19).
Na ocasião, Eva publicou um relato em seu Instagram, dividido em cinco partes, sobre o pesadelo que viveu nos últimos oito anos. Estupros, agressões, torturas física e psicológica eram acontecimentos diários. O agressor denunciado por ela, pela mãe (também vítima) e agora pela polícia era justamente Thiago – um paulista que já tinha sido preso em São Paulo por roubo de carro e que, na Bahia, se tornou estudante de Direito e assessor de uma secretaria municipal de Camaçari.
De acordo com a delegada Florisbela da Rocha, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari, o inquérito policial já tinha sido concluído desde o início do mês – antes mesmo da prisão de Thiago, que aconteceu no último dia 13. A denúncia de Eva foi registrada duas semanas antes – no dia 30 de janeiro, quando o agressor chegou a divulgar que a enteada estava desaparecida.
“No dia 31 (de janeiro), ele (Thiago) já saiu com medida protetiva. Foi nossa preocupação, nosso trabalho. Nós temos nossas limitações e o nosso trabalho foi feito com sucesso. Agora, vamos apurar o que surgir e encorajar mais mulheres a denunciar”, disse.
Devido ao fato de o processo correr em segredo de Justiça, a delegada não quis comentar detalhes sobre a investigação. Ela apenas informou que Thiago negou que tenha cometido qualquer um dos crimes. O padrasto já está no sistema prisional. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado (Seap), ele foi encaminhado ao Centro de Observação Penal.
Força-tarefa
Para investigar o caso, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) chegou a designar seis promotoras para atuar na análise do inquérito – uma delas é Anna Karina Senna, substituta na 10ª Promotoria de Justiça de Camaçari. Em nota, o órgão informou que a denúncia foi oferecida no último dia 11.
A Vara da Justiça Pela Paz em Casa de Camaçari (antiga Vara da Violência Doméstica e Familiar), se manifestou através de um servidor do órgão, ele ratificou que o processo corre em segredo de Justiça por determinação do titular da vara, o juiz Ricardo José Vieira de Santana. O sigilo teria sido estabelecido devido à “natureza dos fatos”.
No entanto, a advogada de Eva, Maria Cristina Carneiro, explicou que o sigilo do processo já foi quebrado quando a jovem tornou as acusações públicas. “Antes, o sigilo era em razão da proteção dela”. Nesta quinta-feira (21), dia seguinte à repercussão, a advogada contou que Eva está se sentindo mais segura, devido à grande quantidade de manifestações em apoio.
A estudante ainda não retornou às atividades de sua rotina – como as aulas no curso de Direito e o estágio no Fórum de Camaçari. “Ela está fazendo atividades domiciliares por enquanto. Estamos agilizando de modo que ela possa fazer tudo em casa, porque não é recomendado voltar ainda. Por enquanto, ela não tem previsão de voltar”.
Queixa ‘retirada’
Em seu relato, Eva contou que foi forçada a retirar a queixa que registrou em 2011, quando tinha 13 anos. Segundo ela, o caso não teria nem mesmo chegado ao Ministério Público. De acordo com o advogado Daniel Keller, que também integra a defesa da jovem, uma vítima de estupro de vulnerável não poderia retirar uma queixa.
“Isso não é possível. A lei não prevê isso. Nem se depois ela alegasse que mentiu. A delegacia tem que concluir a investigação e enviar ao MP. Quem decide pelo arquivamento de uma investigação é o promotor, não o delegado”, afirmou Keller.
A então delegada titular da Deam de Camaçari na época da primeira denúncia, Thaís Siqueira, garantiu que o inquérito policial foi concluído e encaminhado ao MP. Na época, o caso foi investigado por um delegado designado para atender especificamente crimes contra a criança e o adolescente. Ela não quis, porém, divulgar o nome do profissional.
Na época, Eva chegou a ser ouvida em três momentos, todos na delegacia. Na primeira vez, ela registrou a queixa, no fim de 2011. “Na segunda vez, ela voltou atrás. Disse que a mãe tinha mandado inventar a história, mas o inquérito foi encaminhado à Justiça (em março de 2012)”, afirmou a delegada, hoje titular da 18ª Delegacia (Camaçari).
Só que o inquérito foi remetido à polícia novamente, em agosto daquele ano, pelo MP. Nessa ocasião, Eva voltou a ser ouvida, especialmente sobre um laudo que foi produzido pela perícia. Mais uma vez, disse que a queixa registrada era mentira. O inquérito foi remetido novamente ao MP, dessa vez no dia 21 de dezembro de 2012. Depois disso, não voltou mais.
“O papel da Polícia Judiciária foi feito, que é instaurar o inquérito, peça informativa, colher as oitivas. Na época, houve o laudo e ela foi acolhida naquele momento. O que está acontecendo hoje é que ela teve coragem e, com apoio da Deam, novamente, se sentiu mais forte”, completou Thaís.
Mesmo sendo a titular da unidade, na época, a delegada afirmou que nunca esteve com Eva. No início, ela foi acompanhada pelo delegado que cuidava dos casos contra a criança e o adolescente. Quando o inquérito foi devolvido pelo Ministério Público, Eva teria sido ouvida por uma delegada substituta – Thaís estava de férias.
“O que ela passou é inadmissível, terrível, mas delegado não pode arquivar inquérito. A Deam de Camaçari não ia pegar um caso desses e deixar passar”, reforçou.
Ao jornal Correio da Bahia, o MP informou, através de nota, que “como não foram reunidos elementos que comprovassem a prática do abuso sexual, não houve denúncia”. Acrescentou ainda que “o MP prosseguiu com a apuração do crime de ameaça” e “mesmo após a vítima demonstrar falta de interesse no prosseguimento do caso, o Ministério Público estadual, atento à prática de crime de violência doméstica e familiar, requereu a designação de audiência judicial para que Luciana Maria da Silva [mãe de Eva] se manifestasse sobre o aparente desinteresse em relação ao prosseguimento do feito”.
Camaçari ainda não tem Ronda Maria da Penha
Em Camaçari, cidade onde a jovem Eva Luana morava, não existe Operação Ronda Maria da Penha – serviço da Polícia Militar que promove visitas às casas das mulheres que têm medida protetiva concedida pela Justiça. Criada em 2015, a operação acompanha cerca de quatro mil vítimas em todo o estado.
De acordo com a major Denice Santiago, comandante da Ronda Maria da Penha, quando o agressor descumpre uma medida protetiva – caso do padrasto de Eva, Thiago Oliveira Alves –, ele está cometendo um novo crime. Em cidades como Camaçari, onde não há a presença da Ronda, as mulheres que têm medida devem acionar o batalhão mais próximo.
“Nesse caso, qualquer mulher pode ligar para o 190, solicitando o apoio da viatura mais próxima”, explica a major.
Camaçari deve receber uma unidade da ronda em breve – está entre as cidades do interior do estado e da RMS previstas no indicativo do Comando Geral da PM.
Para a comandante, a rede de proteção à mulher no estado está “em permanente ebulição”. De 2011, quando Eva fez a primeira denúncia, para cá, muita coisa mudou. “Somos um microorganismo em constante mutação para nos adequarmos às especificidades que esses crimes trazem. Cada dia é uma coisa nova”, pontua major Denice.
Veja onde buscar ajuda em casos de violência doméstica:
Cedap (Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa) – Atendimento médico, odontológico, farmacêutico e psicossocial a pessoas vivendo com HIV/AIDS. Endereço: Rua Comendador José Alves Ferreira, nº240 – Fazenda Garcia. Telefone: 3116-8888.
Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan) – Oferece atendimento jurídico e psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência. Endereço: Rua Gregório de Matos, nº 51, 2º andar – Pelourinho. Telefone: 3321-1543/5196.
Cras (Centro de Referência de Assistência Social) – Atende famílias em situação de vulnerabilidade social. Telefone: 3115-9917 (Coordenação estadual) e 3202-2300 (Coordenação municipal)
Creas (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) – Atende pessoas em situação de violência ou de violação de direitos. Telefone: 3115-1568 (Coordenação Estadual) e 3176-4754 (Coordenação Municipal)
Creasi (Centro de Referência Estadual de Atenção à Saúde do Idoso) – Oferece atendimento psicoterapêutico e de reabilitação a idosos. Endereço: Avenida ACM, s/n, Centro de Atenção à Saúde (Cas), Edifício Professor Doutor José Maria de Magalhães Neto – Iguatemi. Telefone: 3270-5730/5750.
CRLV (Centro de Referência Loreta Valadares) – Promove atenção à mulher em situação de violenta, com atendimento jurídico, psicológico e social. Endereço: Praça Almirante Coelho Neto, nº1 – Barris, em frente a Delegacia do Idoso. Telefone: 3235-4268.
Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) – Em Salvador, são duas: uma em Brotas, outra em Periperi. São delegacias que recebem denúncias de violência contra a mulher, a partir da Lei Marinha da Penha.
Deam Brotas – Rua Padre José Filgueiras, s/n – Engenho Velho de Brotas. Telefone: 3116-7000.
Deam Periperi – Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol, s/n – Periperi. Telefone: 3117-8217.
Deati (Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso) – Responsável por apurar denúncias de violência contra pessoas idosas. Endereço: Rua do Salete, nº 19 – Barris. Telefone: 3117-6080.
Derca (Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente) Endereço: Rua Agripino Dórea, nº26 – Pitangueiras de Brotas. Telefone: 3116-2153.
Delegacias Territoriais – São as delegacias de cada Área Integrada de Segurança Pública. Segundo a Polícia Civil, os estupros que não são cometidos em contextos domésticos devem ser registrados nessas unidades. Em Salvador, existem 16 (http://www.policiacivil.ba.gov.br/capital.html).
Disque Denúncia – Serviços de denúncia que funcionam 24 horas por dia. No caso de crianças e adolescentes, o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos oferece o Disque 100. Já as mulheres são atendidas pelo Disque 180, da Secretaria de Políticas Para Mulheres da Presidência da República. Fundação Cidade Mãe – Órgão municipal, presta assistência a crianças em situação de risco. Endereço: Rua Prof. Aloísio de Carvalho – Engenho Velho de Brotas.
Gedem (Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público do Estado da Bahia) – Atua na proteção e na defesa dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica, familiar e de gênero. Endereço: Rua Arquimedes Gonçalves, 142, Jardim Baiano – Nazaré. Telefones : 3321- 1949/ 3328-0417 / 3266-4526
Iperba (Instituto de Perinatologia da Bahia) – Maternidade localizada em Salvador que é referência no serviço de aborto legal no estado. Endereço: Rua Teixeira Barros, nº 72 – Brotas. Telefone: 3116-5215/5216.
Nudem (Núcleo Especializado na Defesa das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar da Defensoria Pública do Estado) – Atendimento especializado para orientação jurídica, interposição e acompanhamento de medidas de proteção à mulher. Endereço: Rua Pedro Lessa, nº123 – Canela. Telefone: 3117-6935.
Secretaria Estadual de Políticas Para Mulheres Endereço: Alameda dos Eucaliptos, nº 137 – Caminho das Árvores. Telefone: 3117-2815/2816.
SPM (Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres de Salvador) – Endereço: Avenida Sete de Setembro, Edifício Adolpho Basbaum, nº 202, 4º andar, Ladeira de São Bento. Telefone: 2108-7300.
Serviço Viver – Serviço de atenção a pessoas em situação de violência sexual. Oferece atendimento social, médico, psicológico e acompanhamento jurídico às vítimas de violência sexual e às famílias. Endereço: Avenida Centenário, s/n, térreo do prédio do Instituto Médico Legal (IML) Telefone: 3117-6700.
1ª Vara de Justiça Pela Paz Em Casa – Unidade judiciária especializada no julgamento dos processos envolvendo situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha. Endereço: Rua Conselheiro Spínola, nº 77 – Barris. Telefone: 3328-1195/3329-5038.