Muito conhecido como “Nilo brasileiro”, o Rio São Francisco tem esse apelido tão peculiar devido ao fato de ter grande semelhança com o rio do continente africano, que passa por muitas regiões de clima árido. Ele ajuda essas regiões marcadas por tamanha escassez de água, aumentando a irrigação no local e auxiliando a produção de gado.

A bacia do rio,  percorre 2.830 km do território nacional. Estados brasileiros como Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, Sergipe, Goiás e Bahia, além de Brasília, têm a passagem do rio em 521 municípios distribuídos em seus territórios.

O rio São Francisco é um dos maiores do Brasil. O Velho Chico, é responsável por matar a sede da população, provê-la de peixes e, através de suas águas, impulsionar a agricultura irrigada nos estados por onde passa. Mas nem tudo está equilibrado. Um conjunto de fatores está colocando em risco a existência desse importante manancial brasileiro. Há vários anos, sua perenidade está ameaçada, seja pela ação do homem ou pelas mudanças climáticas. O perigo é real. O rio São Francisco ‘pede socorro’!

Sobre esse tema, vários bispos católicos de dioceses que fazem parte da Bacia Hidrográfica do São Francisco estão se mobilizando para auxiliar com ações visando reverter esse cenário.

Com a missão de conhecer a realidade do Rio São Francisco, ouvir as comunidades ribeirinhas da Diocese de Bom Jesus da Lapa e elaborar uma posição pastoral  em defesa e pela revitalização do Velho Chico, uma equipe, formada por representantes da Diocese de Bom Jesus da Lapa, da CPT, da UNEB e de profissionais da imprensa, percorreu no último dia 19 de julho, todo percurso do rio São Francisco no município de Carinhanha.

Utilizando pequenas embarcações, as únicas que conseguem navegar na região, os integrantes dessa equipe visitaram e ouviram as comunidades ribeirinhas, incluindo quilombolas que residem na região.

Entre os principais problemas visualizados pelos integrantes do grupo, no trecho que corta o município de Carinhanha, encontram-se a derrubada da mata ciliar, a poluição, o assoreamento e a falta de condições para navegação pelo Rio São Francisco. A exceção é para os barcos menores.

Esse foi justamente o motivo que obrigou a equipe a se dividir. Em função da pouca profundidade, inviabilizando o uso de um barco maior, os membros do grupo utilizaram três barcos pequenos, os únicos capazes de navegar naquele trecho do rio. Esse desafio tornou a viagem mais perigosa. Mesmo os condutores conhecendo bem os trechos navegáveis, em vários pontos, as embarcações precisaram ser impulsionadas com remos.  Cenário que preocupa os moradores das comunidades ribeirinhas próximas ao rio na região de Carinhanha.

A comunidade do Bebedouro foi o primeiro ponto de parada da expedição. Lá foi feito um momento de oração e de reflexão na sede da Associação dos Pequenos Produtores da localidade. A população local, além de receber o grupo com festa, também preparou um café da manhã. Durante o momento de apresentação, todos os relatos demostraram a mesma angustia e preocupação com o rio, que serve de sustento àquelas famílias.

Dom João fez um momento de oração com os moradores, destacando a importância e história do São Francisco. Ele lembrou que a missão de navegar pelo Velho Chico e visitar as comunidades Ribeirinhas foi fruto do 1º Encontro dos Bispos da Bacia do São Francisco, realizado em Bom Jesus da Lapa no ano passado. No qual, os bispos lançaram a “Carta da Lapa”, comprometendo-se em promover ações, em suas Dioceses, em defesa do São Francisco e realizar trabalhos visando salvar o rio. O Bispo de Bom Jesus da Lapa destacou, ainda, que uma cartilha, pensada no encontro, será publicada até o final do ano chamando a atenção dos fiéis para a situação do Rio e finalizou com a leitura bíblica do segundo capítulo do Livro de Gênesis, versículos de 8 a 17.

O Senhor Moisés Barbosa, aposentado, morador da localidade do Bebedouro, destacou que o Velho Chico apresentava outro cenário no passado, mas hoje vive sofrendo com a falta de água e as agressões ao longo das suas margens.

“Sobre o rio, se a gente for avaliar a uns 20 anos atrás, é lamentável o que a gente tá vendo hoje. A situação do rio é muito ruim, e a gente está sempre com essa preocupação de dizer para o pessoal sobre a situação do rio, que é a nossa vida, e é a vida de todos  os ribeirinhos. Do jeito que está indo, nossos filhos e nossos netos não vão ver esse rio da forma que a gente vivenciou”, disse João Lopes, pescador e integrante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, representante da comunidade do Bebedouro.

Ele destacou, ainda, que várias espécies de peixes estão desaparecendo do rio São Francisco, mesmo a região sendo uma das melhores para pescar. “Tem lugar hoje aí, se a gente fosse atravessar, põe o remo no lugar e ele não tomava pé. Hoje, o remo tá no meio, um remo de 15 palmos. Então, a situação do rio é crítica, é lamentável. Muita gente diz que é assim mesmo e que toda vida foi assim. Não existe isso. A gente vê todo ano como o rio tem diminuído o volume de água”, finalizou.

Outras representações frisaram a importância da presença do Bispo, que visitou a localidade pela primeira vez. Lembraram que, em 1993, Dom Luís Flávio Cappio, atual bispo de Barra, passou na localidade em peregrinação, ouvindo os moradores e conhecendo a realidade do rio. “Quando o pessoal fala da peregrinação de Dom Luiz Cappio, ele não estava sozinho, estava com mais três peregrinos: o Adriano Martins, um sociólogo; o Orlando, um garimpeiro e a Irmã Conceição, uma religiosa. Eles caminharam durante um ano, desde a nascente do São Francisco na Canastra. Saíram de lá no dia 04 de outubro de 1993 e chegaram à foz do São Francisco, em Sergipe e Alagoas, no dia 04 de outubro de 1994. Foi um ano de peregrinação, passando pelas comunidades ribeirinhas, fazendo isso que nós estamos fazendo hoje, trechos de barco e trecho a pé”, complementou Samuel Brito.

Além do Bebedouro, foi feito uma visita no Angico, Três Ilhas, Barra do Paratéca e Estreito. Nessas comunidades, o povo apresentou os seus clamores diante da decadência do Velho Chico. Diversas histórias foram relatadas por quem se encantou com as águas do rio. Hoje só se vê tristeza. Como o senhor Erotildes da comunidade do Estreito, que fala com tristeza, diante da realidade vivenciada pela comunidade. “Hoje o rio São Francisco está com quase 100 km, virou um prato, e as enchentes quando vem, não sobe no barranco. Peixe não acha, as cabeceiras dele, soterrou. Do jeito que tá indo, acabou, o Velho Chico, tá bem devagar”, disse.

Ele falou que um dos fatores da crise do São Francisco é a falta de chuva nas cabeceiras e as ações dos grandes empreendimentos. “Não tem chuva, e os grandes estão derrubando tudo lá em cima, e quando reclama, vem e diz que não pode desmatar. E quem paga o pato é os pequenos, e os grandes sempre comendo por fora, e os pequenos sempre reclamado”, finalizou.

A realidade, as preocupações e observações apresentadas pelo povo ribeirinho foram ouvidas de perto pelo Bispo da Diocese de Bom Jesus da Lapa. Sobre o percurso realizado, Dom João destacou a receptividade e o contato com as comunidades. “Foi muito importante o contato e gratificante a receptividade que nós recebemos por parte das pessoas que nos acolheram nessas comunidades. A sensibilidade que os ribeirinhos, os barranqueiros, os moradores da beira do Rio São Francisco, especialmente nesse trecho percorrido, têm sobre a importância do São Francisco para a vida deles”.

A exemplo de dona Eudoxia Gonçalves dos Santos, a Dona Doxinha, que nasceu e cresceu na beira do São Francisco e que carrega a cultura ribeirinha por meio das músicas.

Dom João enfatizou que as populações ribeirinhas têm uma relação íntima com o São Francisco, que representa a sua própria vida diretamente ligada ao contexto do rio. “Quando nós falamos da vida, dizemos em todas as suas dimensões. Como escutei de uma moradora, ‘se morre o rio São Francisco, morre também o ribeirinho’. Não estamos falando apenas da vida biológica.  Se morre o rio, morrem o ribeirinho, sua cultura e uma forma de vida; desaparecem as formas de expressão de um modo de vida. Se o rio pouco a pouco vai se extinguido e se exaurindo, também com ele vai morrendo lentamente uma tradição, uma religião. Pouco a pouco vão desaparecendo uma forma de vida, uma cultura, religiosidade e tradições”, pontou o religioso.

O bispo também falou que, nessa primeira expedição, foi possível observar alguns fatores importantes causadores de impactos no Rio São Francisco. “Esse primeiro momento mostrou algumas práticas, que são preocupantes. É verdade que nós percorremos a calha do rio. A água não nasce ali na calha do rio, a água vem de outros afluentes, que por sua vez são abastecidos de outros pequenos afluentes, que são alimentados pela água que está no subsolo, no subterrâneo. Que foi acumulada durante vários anos pelas chuvas que foram caindo e infiltrando o solo, formando o reservatório subterrâneo que mantem a perenidade do rio e o seu nível. Percebemos que a mudança das condições do rio, de um lado, foi provocada pelo desmatamento. Vimos essa realidade claramente ao longo do rio, o desmatamento da mata ciliar causou grande parte do assoreamento. Por outro lado, há ainda o problema da poluição. Infelizmente, causada também por quem mora na beira do rio. Quem mora à beira do rio deveria ser mais cuidadoso com o São Francisco. Os ribeirinhos percebem a questão da poluição, quando falam que tem um período do ano, que não aguentam o mal cheio que exala do rio, devido aos peixes que morrem em função da poluição”, explicou.

Dom João afirmou que além desses fatores observados, tem outros preocupantes, como a retirada da água do rio São Francisco de forma desequilibrada para a irrigação. O mais preocupante não é tanto a retirada da água na calha do rio, mas a retirada da água nas regiões de recarga, em especial, próxima às nascentes. O que provoca a diminuição acentuada das águas do Velho Chico. “Há trechos do rio que não são mais navegáveis. Nós só conseguimos fazer o trajeto de Carinhanha porque foi em canoa, em pequenos barcos e, também, porque as pessoas que nos conduziram são pescadores, têm uma familiaridade grande com o rio e sabem em quais canais atravessar para não ficar encalhado”, disse.

  

O bispo de Bom Jesus da Lapa finalizou dizendo que foi uma experiência muito enriquecedora navegar sobre o rio São Francisco e ouvir as comunidades ribeirinhas.  Não dá para discutir a realidade ambiental do Velho Chico na região, sem entender os fatores que estão interligados com seu povo e sem conhecer o contexto da sua bacia.

A próxima etapa do trabalho será na região de Serra do Ramalho e todo o material coletado servirá de base para a formulação de propostas para o desenvolvimento de ações coletivas em prol do Rio São Francisco e das famílias ribeirinhas.

Fotos: José Hélio – Informações: Notícias da Lapa