Gastos com juros, que somam R$ 617 bilhões em um ano, pagariam quase seis anos de Bolsa Família. Selic a 13,75% “arranca o couro dos brasileiros” e desestimula o investimento, aponta economista

A alta das despesas com juros da dívida pública coloca em xeque a própria a capacidade operacional do Estado. Mês após mês, a taxa Selic de 13,75%, estabelecida pelo Banco Central de Roberto Campos Neto desde agosto de 2022, implica em rombo atrás de rombo no Orçamento Federal. O desfalque acontece por causa do pagamento de juros da dívida pública, que continuam subindo. Sobretudo quando se considera que, em fevereiro de 2021, a taxa Selic era de 2%. O resultado é trágico para o país: recursos que poderiam ser investidos em políticas públicas em benefício do povo brasileiro, como a construção de escolas e rodovias, são drenados pelo rentismo.

No acumulado de 12 meses até março deste ano, os gastos com juros somam R$ 617,197 bilhões. Em 2022, o valor chegou a R$ 780 bilhões, de acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).

Para ficarmos apenas com o exemplo dos últimos 12 meses, o gasto daria para bancar quase duas vezes o custo do funcionalismo da União, ativos e inativos, civis e militares, de todos os Poderes, cujas despesas somam R$ 349.217 em 2023.

pagamento de juros também seria suficiente para bancar 1,7 vezes o total de transferências a Estados, Municípios e o Distrito Federal, que abocanham R$ 357.980 do orçamento. E cobrem praticamente seis vezes o valor do Bolsa Família, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional. O benefício está estimado em R$ 108.709.

Os compromissos financeiros do governo federal decorrentes da crescente alta das despesas com juros da dívida pública coloca em xeque a própria a capacidade operacional do Estado e a sustentabilidade dessa atuação. Os juros altos permitem aos investidores cobrarem taxas mais altas para a aquisição de títulos públicos, criando a famosa bola de neve sobre o funcionamento do próprio sistema. Afinal, não há política fiscal que resista a uma taxa de juros real de quase 8%, a mais alta do planeta.

“Os capitalistas no Brasil investem pouco porque o melhor negócio do país é colocar o dinheiro na especulação financeira”, explica o economista José Álvaro de Lima Cardoso, em artigo publicado no Brasil de Fato. “Não precisa contratar trabalhadores, comprar matéria prima, obter licença ambiental, não tem delegacia do trabalho, e são garantidos juros reais de 8% ao ano. É um verdadeiro presente de Natal, com a diferença que vem todo dia”, compara o economista.

“Ou seja, os juros “fora da curva” praticados no Brasil, além de comprometerem as finanças públicas e arrancar o couro dos brasileiros, desestimulam o investimento privado”, atesta Cardoso. “O dinheiro dos capitalistas e da classe média que tem algum recurso vai todo para a especulação”.