O prefeito Gilvan Pimentel sabe que tem um grande problema nas mãos. A cidade que administra, Catolândia, no Extremo-Oeste da Bahia, tem a menor população, entre os 417 municípios do estado: apenas 3,6 mil habitantes. Com tão pouca gente – e, consequentemente, tão pouca arrecadação – Catolândia figura em um ranking indesejável: o das cidades que não geram receita suficiente sequer para pagar as próprias contas.

“Aqui, a gente vende o almoço para conseguir pagar a janta”, diz o prefeito, referindo-se ao aperto de todo mês. Fundada em 1962, Catolândia fica perto de polos econômicos como Barreiras e São Desidério. O problema é que ela não conseguiu acompanhar o desenvolvimento nem o crescimento econômico das vizinhas.
Hoje, Pimentel é categórico: a cidade sobrevive mesmo graças ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), um repasse federal de verbas que é calculado a partir do número de moradores. De fato, é o sexto município que mais depende de repasses: somente 8,52% do orçamento vem da própria receita. Como Catolândia, existem muitas outras: ao todo, 72 cidades baianas dependem de transferências da União e do estado para arcar com as despesas da máquina pública todo mês.

O número foi divulgado pelo estudo Criação de Municípios: mais impostos e menos serviços à população, elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que mostrou que um terço dos municípios brasileiros não gera receita suficiente sequer para suas despesas de manutenção (1.872 cidades).

“No geral, mal dá R$ 1 milhão por mês, contando com o FPM. Aqui, só temos agricultura familiar, minifúndios. Temos poucos habitantes e são pouco distribuídos. Hoje, só tem a cadeia produtiva de leite, que tem uma associação que entrega 2,5 mil litros por dia”, diz o prefeito, que atribui o abandono da cidade a má administração de seus antecessores.

Só a Câmara Municipal demanda R$ 104 mil desse valor. Poucos moradores pagam o IPTU. A maioria – cujo percentual ele não soube dizer, mas garante que é mais da metade – afirma que não tem dinheiro. Para Pimentel, uma das soluções seria asfaltar as estradas que ligam a cidade a Barreiras. Assim, Barreiras poderia ser uma cidade dormitória e mais pessoas poderiam trabalhar em Catolândia.

“Barreiras tem 94 mil eleitores. No mínimo, 20 mil são de Catolândia ou tem vínculo com a região. O problema é que, sem alternativa de renda, o cara nasce, cresce e vai embora”.

Emancipação
Ainda que o percentual de municípios baianos nessa situação seja menor do que o do Brasil (17,2% contra 33,6%), a economista Nayara Freire, analista de estudos econômicos da Firjan, enfatiza que o número ainda é alto e representa uma quantidade significativa em relação ao total do estado.

“A gente vê uma forte dependência, porque houve um movimento de emancipação dos municípios nos últimos anos, principalmente após a Constituição de 1988. Boa parte deles votou pela emancipação para gerar bem-estar para a população, qualidade de vida, educação e saúde, mas eles não tinham capacidade de gerar receita para suprir essas necessidades”, explica Nayara.

Embora a situação mais delicada seja dos municípios de pequeno porte, a economista destaca que o cenário é preocupante em todo o Brasil. Segundo o estudo, 2.091 municípios estão descumprindo alguém limite de teto de gastos ou não estão sendo transparentes.

“A gente observa que, apesar de conseguir gerar uma receita própria, a máquina pública ainda tem presença significativa no orçamento. A receita própria, por si só, não diz tudo. Ela precisa ser suficiente para cobrir o quanto custa essa prefeitura”, aponta a economista.

Sacrifícios
Na maior parte dos municípios, os salários podem até estar em dia, mas o resultado vem acompanhado de sacrifícios. Em Firmino Alves, no Sul da Bahia, a secretária municipal de Administração, Sônia Cunha, conta que a arrecadação de impostos é quase nula. Hoje, a receita corresponde a apenas 10,62% dos gastos com a máquina pública.

Do Imposto Sobre Serviços (ISS), não vem quase nada. Do IPTU, menos ainda. O imposto predial é até cobrado, mas a taxa é baixa. “Tem uns dez anos que não tem reajustes, então é um problema. Estamos fazendo um projeto de lei para ver se melhora a arrecadação. Acaba sendo um desafio garantir os serviços essenciais”, assume.

Para garantir o repasse para a Câmara Municipal, por exemplo, fica reservado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Esse dinheiro é imexível. Os outros, você vai empurrando. Paga um, paga outro”, diz ela. A secretária acredita, contudo, que a cidade é prejudicada pela contagem de habitantes. Nos números oficiais, Firmino Alves tem 5,8 mil moradores. No entanto, só na rede municipal, estão matriculados 1,1 mil alunos.

“A gente depende do governo para tudo, porque não temos condições de fazer um bom saneamento, de fazer melhorias nas escolas. A gente poderia ter uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), mas não tem. Se não for através do governo federal, a gente não tem condições de manter os serviços essenciais”.

Procuradas pela reportagem do jornal Correio da Bahia, as 10 cidades com maior percentual de dependência das transferências federais e estaduais. No entanto, a maioria não respondeu aos contatos da reportagem. Por email, a prefeitura de Lafaiete Coutinho, no Centro-Sul do estado, confirmou que a maior parte o orçamento vem dos repasses do FPM e do ICMS. Só do FPM, em julho, por exemplo, receberam R$ 880 mil.

A principal atividade econômica da cidade, a agropecuária, contribui com o 9,85% de receita própria no orçamento – que fica em torno de R$ 1,7 milhão por mês. De acordo com a prefeitura do município, essa baixa arrecadação tem impactos negativos.

No entanto, a administração ressalta que, mesmo com a baixa arrecadação, “procura, de maneira eficaz e eficiente, administrar os recursos percebidos, para ofertar à população os serviços necessários, como educação, saúde e segurança”.

Fusão e administração coletiva
Diante desse cenário de crise, uma das alternativas propostas pela Firjan é a da fusão de municípios. Existe, hoje, no Congresso, um projeto de Lei (PLC 137/15) que impõe critérios populacionais e de capacidade de geração de receitas próprias para a criação de municípios. Entre os critérios regionais, o quantitativo mínimo para os municípios no Nordeste seria de 12 mil habitantes. Dessa forma, nenhuma das 72 cidades baianas que dependem das transferências atenderiam aos pisos populacionais.

No Brasil, 3.056 municípios hoje existentes também não poderiam ser municípios. Se esses municípios passassem por um processo de fusão, a Firjan estimou uma economia de R$ 6,9 bilhões por ano na redução de despesas com funções administrativas e legislativas.

“Queremos mostrar que criar mais município não é a solução. Esses quase R$ 7 bilhões poderiam ser destinados a outras áreas”, destaca a economista Nayara Freire, analista de estudos econômicos da Firjan.

A hipótese, porém, não agrade a todos os municípios. O prefeito de Catolândia, Gilvan Pimentel, por exemplo, acredita que isso poderia provocar ainda mais desemprego nas cidades.

Já o prefeito Dilval Medeiros, de Lamarão, no Nordeste do estado, cita, como alternativa, uma administração coletiva. Hoje, ele é presidente do Consórcio do Sisal, que reúne 20 municípios da região sisaleira. Juntas, essas cidades buscam serviços de forma coletiva com o objetivo de gerar mais economia.

Ele cita um projeto de saneamento básico: para uma cidade do porte de Lamarão, com 9 mil habitantes, os custos poderiam chegar a R$ 300 mil. Através do consórcio, que existe desde 2012, conseguiram contratar o serviço por R$ 600 mil – para ser dividido entre todos os 20 municípios.

Mesmo assim, a cidade ainda é a terceira que mais depende de transferências – a receita própria representa somente 4,65% do orçamento.

“Hoje, para você ter uma ideia, a folha de funcionários fica em torno de R$ 700 mil. O Bolsa Família chega a R$ 240 mil, R$ 300 mil por mês. Dois anos atrás, antes da crise, eram R$ 600 mil de Bolsa Família. Vieram os cortes do governo federal, mas essas pessoas continuam aqui, precisando”, afirma o prefeito de Lamarão.

A cidade vive, basicamente, da agricultura familiar. Há 20 anos, a agropecuária foi mais forte, mas a seca acabou com os grandes produtores. Assim, a prefeitura passou a elencar prioridades: 35% do orçamento vai para a educação (o mínimo é 25%) e 20% para a saúde (o piso é 15%). Com a maioria das receitas destinadas à saúde e à educação, muito pouco é feito na infraestrutura.

“Todo o resto é basicamente manutenção. A gente não consegue fazer nenhum tipo de obra”, revela. Por mês, o orçamento fica em torno de R$ 1,1 milhão. Desse valor, a Câmara Municipal também recebe um repasse de cerca de R$ 63 mil.

A arrecadação é baixa, principalmente, pelo IPTU. Atualmente, cerca de 80% dos moradores recebem isenção pelo critério de renda (até um salário mínimo). “O problema é que, quando se cria um novo município, nem sempre esse município tem uma fonte de receita de produção, de serviço. Então, na verdade, você vai montar um município falido”.

Dependente de recursos, Mucugê fornece água tratada de graça

Dependente de repasses federais e estaduais, com baixa arrecadação do Imposto Territorial Predial Urbano (IPTU) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) e com o setor do turismo ainda em desenvolvimento, a cidade de Mucugê, na Chapada Diamantina, está longe de conseguir andar com as próprias pernas. Para complicar mais a situação, a atual Administração do município de pouco mais de 9 mil habitantes tem de lidar com uma situação herdada de gestões anteriores: o fornecimento gratuito de água tratada para toda a população urbana, e que é utilizada ainda pelos cerca de 50mil turistas que frequentam a cidade todo ano.

Apesar de a Prefeitura informar que está tentando criar um projeto para que se possa arrecadar com o fornecimento de água, nem que seja para bancar os custos, que não foram informados, aumentou o número de pessoas atendidas pelo sistema, ao levar água tratada aos quase 1.000 moradores do distrito de João Correia, a 62 km da sede.

“Estamos vendo como vamos fazer para criar um projeto para arrecadar alguma coisa com o fornecimento de água. É uma medida que sabemos que será muito impopular aqui, talvez por isso ainda não foi à frente. Contudo, é algo que precisa ser feito para que a cidade arrecade mais. Não se paga nem para ligar a água”, disse o vice-prefeito Luis Antonio Martins Rocha (PSD), o professor Luisinho.

Por enquanto, a cidade que tem arrecadação de mensal que varia entre R$ 900 mil a R$ 1,2 milhão, se beneficia do repasse de 25% que o Governo do Estado faz do Imposto Sobre Circulação de Serviços (ICMS) pago por oito grandes empresas agrícolas e do setor do turismo, que antes atuava quase todo na informalidade.

Este ano, a cidade recebeu do Governo Federal R$ 7,55 milhões para custear, sobretudo, despesas com educação e saúde. E do Governo do Estado recebeu R$ 415.788,21 em convênios, segundo o Portal da Transparência.

Depois de um trabalho de formalização dessas empresas, hoje a cidade tem contabilizados 30 estabelecimentos de hospedagem e outros 40 da área de alimentação. “Conseguimos, com essa formalização, aumentar em 62,01% a arrecadação do ISS”, garantiu o secretário de Turismo Euvaldo Ribeiro Júnior, segundo o qual o setor do turismo responde por 20% da economia local.

Lençóis

Considerada a “capital” da Chapada Diamantina, a cidade de Lençóis, por onde, segundo a Prefeitura, transitam cerca de 1.000 turistas por dia, também tem dificuldades para conseguir se manter sozinha. O prefeito Marcos Airton Alves de Araújo (PRB), o Marcão, diz que tem buscado meios para aumentar a arrecadação, com projetos enviados à Câmara, mas por enquanto não têm êxito.

“Tem 11 projetos que já enviei pra lá, mas não foram aprovados ainda. Os de mais destaque são os da municipalização do trânsito, da criação da taxa de R$ 5 do turismo, da reforma do código tributário municipal, que é de 40 anos atrás, e a do saneamento básico. Não aprovam por causa de politicagem”, afirma.

Na Câmara, o gestor tem do seu lado apenas três dos nove parlamentares. “Eu cheguei a ter quatro, mas um foi para aposição, e aí eles ficam nessa de política e não aprovam projetos que são importantes para a cidade. Acham que estão me prejudicando, mas está ficando ruim é para o povo”, declarou.

Segundo Marcão, se os projetos estivessem aprovados, a cidade estaria com a arrecadação mensal, que varia de R$ 1,7 milhão a R$ 2 milhões, elevada em pelo menos R$ 200 mil. O projeto mais importante, diz o prefeito, é o do código tributário, que permitiria cobrar IPTU de ao menos 210 casas. “Outra fonte boa de recursos seria com a taxa de turismo, que seria revertida para limpeza das trilhas, de ruas e praças. Precisamos contratar mais salva-vidas, ter ao menos 60 garis (atualmente são 60), e melhorar a iluminação pública e a frota de veículos. Com o que arrecadamos atualmente, não tem como fazer muita coisa”, afirmou.

Até agosto deste ano, Lençóis recebeu do Governo da Bahia R$ 50 mil em convênios, já o Governo Federal enviou ao município R$ 8,57 milhões. Procurado pelo CORREIO, o Ministério do Planejamento, responsável por fazer o planejamento nacional e a elaboração de subsídios para formulação de políticas públicas de longo prazo voltadas ao desenvolvimento econômico e social, não respondeu.

Descentralizar o desenvolvimento

O economista Gustavo Casseb Pessoti, presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon) e diretor de Indicadores e Estatísticas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), autarquia estadual, avalia que é preciso descentralizar mais o desenvolvimento econômico da Bahia, saindo mais da área do polo petroquímico e da região costeira.

“A Bahia precisa de um programa da base produtiva e da interiorização para fazer com que mais municípios recebam aportes de investimentos estaduais, e condicionando programas de incentivos fiscais que levem indústrias, fábricas. É preciso fazer com que essas cidades cobrem impostos, tem algumas que o IPTU e o ISS são zero”, assinalou.

Mas as cidades pequenas, observa Pessoti, não mais difíceis de atrair grandes empresas pelo fato de não terem no local público consumidor que compense o investimento. “Uma grande indústria não vai se destinar para uma cidade em que o público consumidor esteja longe dela porque isso aumenta os custos de transação dessas empresas”, observou o economista, salientando em seguida que o Governo da Bahia iniciou uma política de desenvolvimento territorial importante, mas “é preciso que se insista mais na ideia dos consórcios de desenvolvimento, com políticas nacionais de interiorização produtiva”.

Estado tem 50 distritos que podem virar cidade

Na Bahia, caso o Projeto de Lei Complementar 137/2015 seja aprovado, ao menos 50 distritos estão na fila para virar cidades, segundo a Comissão Especial de Assuntos Territoriais e Emancipação da Assembleia Legislativa da Bahia, que tem recebido visita de políticos com demandas nesse sentido.

Mas, segundo o deputado estadual Crisóstomo Lima (PCdoB), o Zó, presidente da comissão, ao menos 20 distritos não se enquadram, por um motivou ou outro, nos requisitos do PLC 137/2015. O gasto mínimo para criar uma cidade é de R$ 12 milhões por ano, incluindo despesas com prefeitura, Câmara de Vereadores e a máquina pública.

Na Bahia, as cidades mais novas, criadas em 2000, são Luís Eduardo Magalhães, no Oeste, e Barrocas, no Nordeste. As duas trilharam caminhos bem diferentes: enquanto Barrocas, com 17 mil habitantes, segue na dependência dos recursos federais e estaduais para se manter, Luís Eduardo é destaque nacional no agronegócio e cidade de maior desenvolvimento econômico da Bahia, segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) divulgado em junho.

Os índices de desenvolvimento medidos pela Firjan estão acima ou bem próximos do que é considerado como alto desenvolvimento. O IFDM geral da cidade é de 0,77. O índice de alto desenvolvimento, pela metodologia da Firjan, é a partir de 0,8.