A tragédia Yanomami se transformou em uma crise humanitária imensa longe dos olhos do Brasil, mas não por falta de aviso.

A maior crise humanitária que se instalou no Brasil dos últimos tempos foi na Terra Indígena Yanomami, que já levou à morte de mais de 500 crianças. O quadro de degradação na maior reserva indígena do Brasil, e as imagens de corpos desnutridos, chocaram o país. O cenário é resultado de uma cadeia de políticas equivocadas e negligências, que permitiram a invasão do território por garimpeiros e pelo crime organizado, resultando em um colapso da economia local, no desabastecimento e nas consequentes crises social e sanitária. Tudo isso em meio a uma pandemia.

“Essa degradação social gerou um quadro de degradação humana”, afirma Ana Rorato, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), que há dois anos já alertava para os riscos relacionados à vulnerabilidade dos povos indígenas na região. Rorato é direta em apontar o agente causador da crise humanitária: a mineração de ouro. “Nos anos 80 e 90 também houve uma escalada do garimpo, num processo semelhante. Mas, nos últimos anos, o que vimos foi um aumento exponencial dessa atividade criminosa.”

A introdução de uma atividade econômica como a mineração em uma terra indígena não agrega valor à economia local. Pelo contrário. Em função das características desses territórios, em que as cadeias de suprimentos estão ligadas ao uso dos recursos naturais, a chegada de uma atividade extrativa de alto impacto ambiental é o início de um processo de ruptura com os costumes e os modos de produção local. O resultado é o desabastecimento da população, que se vê dependente de ajuda externa. Na Terra Indígena Yanomami, ainda há o agravante do isolamento.

Homologada em 1992, a Reserva Indígena Yanomami se estende por uma área de 9 milhões de hectares, que engloba 8 municípios dos estados de Roraima e Amazonas. As cidades de Barcelos (AM), Alto Alegre (RR) e Amajari concentram a maior área de terra indígena. Nesse território, vivem aproximadamente 27 mil pessoas, segundo dados da Secretaria de Saúde Indígena coletados em 2019.

No sábado (28), o ex-presidente Jair Bolsonaro divulgou um relatório da CPI que, em 2008, investigou a morte de crianças indígenas por subnutrição. Motivada pela crise entre os guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, a CPI cita avanço da malária entre os Yanomami, em Roraima. No post de Bolsonaro, a foto usada é de uma criança de outra etnia, do Maranhão.

O ex-presidente diz “que nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas como o dele.” No entanto, os dados mostram que, no período Bolsonaro, as mortes de crianças Yanomami por desnutrição quase quadruplicaram. Com dados do Ministério da Saúde, o Fantástico separou só as mortes por desnutrição de crianças de zero a 5 anos. Foram 152 nos últimos quatro anos, contra 33 no período anterior. Um aumento de 360%.