No mês mais festejado pelo sertanejo, a ordem é se manter em casa e adaptar-se aos intempéries impostos, sonhando com novos tempos.

Tradição significa “entregar” ou “passar adiante”. A tradição é a transmissão de costumes, comportamentos, memórias, crenças, lendas, para pessoas de uma comunidade, sendo que os elementos transmitidos passam a fazer parte da cultura. Assim ocorre com o nosso nordeste quando o assunto é festa junina, tempo de alegria, aconchego, período reservado para o retorno dos que vivem distante, para as festas de São João, Santo Antônio e São Pedro. Até mesmo os que não curtem por motivos diversos, se alegram com a presença de familiares e amigos nas cidades do sertão. Mas esse ano será diferente, o mês se inicia com prenuncio do pico de uma pandemia.

O isolamento social, necessário e obrigatório para quem é racional, quem deseja lutar pela vida e pela saúde, interrompe pela primeira vez na história uma tradição centenária, que rememora as primeiras vilas desse país, algo que aqui se estabeleceu há bastante tempo, tornando-se um hábito festejado. Diferentes culturas e mesmo diferentes famílias possuem formas distintas para celebrarem o seu São João. Estudiosos afirmam que muitas vezes, os indivíduos seguem uma determinada tradição sem sequer pensarem no verdadeiro significado do costume em questão.

Talvez esse mês de junho reserve para todos os nordestinos uma das maiores lições, ao refletirmos mais profundamente sobre os efeitos que acompanham essa pandemia, nos vemos pela primeira vez, livres e presos diante de uma quarentena de tradições. A maior interrupção, de todas as que marcam importantes ritos de passagem em nossas vidas. Lá se vão os batizados, adiados, primeiras comunhões em segundo plano. E nada de visitas, a famosa saudação no dia da fogueira “São João passou aqui” fica para depois, ainda por um bom tempo.

Será difícil, muito triste, mas, não é o fim, se fizermos a lição de casa, enfrentarmos com coragem tudo o que está acontecendo, certamente superaremos e ano que vem, festejaremos, mesmo marcados pelas irreparáveis perdas, feridos pelo sacrifício e pelas mudanças. O sertanejo que a cada dia trava uma batalha pela sobrevivência, irá superar também essa guerra e sairá ainda mais fortalecido. Afinal, já vivenciamos o primeiro dia das Mães à distância, perdemos beijos e abraços, do tradicional almoço da data, cada um guarda uma preciosa memória, alimentada pela esperança da vitória.

Em junho já sabemos, não teremos as festas juninas, os belíssimos arraiás, estão proibidos encontros e reuniões públicas, mas, com um pouco de sorte e criatividade, conseguiremos saborear alguma das receitas típicas em família, armar de forma simbólica nossa fogueira, o nosso arraiá domiciliar com os companheiros de isolamento. Afinal, pelo menos essa confraternização reservada, ouvindo as lives que aliviam a carga, o vírus não pode nos tirar. E assim vamos tocando, encarando a realidade imposta como bravos guerreiros em uma luta desesperada pela sobrevida nessa terra assolada. Tendo em mente a disruptura do presentear como símbolo de afeição pelos entes queridos, na mesma toada lá se vai o dia dos Pais de 2020.

A coisa é séria, os rituais são “os modos pelos quais as coisas são ditas”. De tradição em tradição, vão-se as referências temporais de uma vida. Que saudade de esperar sempre pela próxima festa! Com o esvaziamento do rito, provocado pela Covid-19, vem um vácuo identitário. É como se o corpo envelhecesse, por consequência natural dos processos biológicos, mas sua presença não marcasse rugas na existência. Neste momento, autores e músicos tentam usar o confinamento para criar suas obras-primas, na tentativa de marcar o período com algo que, por sua vez, estabeleçam marcos pessoais. Especialistas em saúde mental recomendam que não devemos nos cobrar tanto. Se você está usando esse tempo para se exercitar ou aprender algo novo, ótimo! Mas se só quer descansar, comer e fazer algo que te deixa confortável, bom também.  Vamos conseguir vencer esse tempo surpreendendo a cada dia, não fugindo, mas, rememorando as tradições e vendo como elas são importantes. Criando um novo caminho, tentando imaginar com riqueza de detalhes um percurso sem precedentes que iremos traçar em novos tempos.